Há uns dez anos atrás eu firmei a convicção de que os três melhores guitarristas de todos os tempos são Eddie Van Halen, John Petrucci e Joe Satriani, pois julguei que dos três eu não poderia eleger só um que fosse o melhor, dado que cada um tem um estilo peculiar e uma abordagem inconfundível do instrumento. Hoje em dia, esse entendimento anda abalado (Petrucci, para mim, perdeu as qualidades que o diferenciavam dos demais guitarristas do "metal progressivo"; Satriani perdeu o fôlego de antigamente nas composições; Eddie Van Halen enlouqueceu, e a vantagem dele sobre os outros é que fez apenas um disco ruim na carreira - aquele com Gary Cherone nos vocais - e, se é para continuar fazendo discos ruins, o melhor mesmo é ficar em casa no ostracismo e viver das glórias do passado).
Desde sempre eu conhecia de nome o Joe Satriani, e sabia que se tratava de um guitarrista brilhante, com discos instrumentais. Em 1991 eu mais ou menos aceitava a idéia de que discos de guitarra instrumentais eram chatos de ouvir. Mas ao ver aquele famoso clip do Michael Jackson para a música BLACK OR WHITE, eu achei o instrumental de guitarra que eu estava procurando; com efeito, no longo início do vídeo, no qual aparece Macaulay Culkin pulando no quarto ouvindo o som a todo o volume, a música que toca é um instrumental de guitarra muito legal, com uma levada acelerada e um teminha sobre uma base com riff (ao que parece, esse trecho foi gravado originalmente por Slash). A partir daí, fui alugando cds de guitarristas para encontrar esse som. Não foi fácil acostumar o ouvido com essas músicas sem vocal, mas a partir de determinado instante, passei a ouvir tais composições com naturalidade.
SURFING WITH THE ALIEN (1987) é o disco clássico de Satch, cujas faixas, muitas delas, são amplamente conhecidas, geralmente sem que se saiba que são do guitarrista (Satriani é a alegria dos editores de som dos programas esportivos da TV). A mais conhecida delas, sem dúvida, é ALWAYS WITH ME, ALWAYS WITH YOU, que foi utilizada em um comercial de TV dos cigarros Free ("Uma questão de bom senso") no começo dos anos 90. Não por acaso, trata-se de uma música perfeita, uma balada muito bem composta e interpretada. Tem um belo tema e uma parte do solo, mais ao final, em tapping na 2.ª corda que é bem melódico. Outro destaque do álbum é a faixa-título, que é basicamente o tipo de música que eu estava procurando, com uma levada rápida, do tipo ideal para servir de trilha-sonora de viagem de carro. No final da música, Satch toca um lick acionando a alavanca junto com as notas, e serviu de inspiração para um trecho "conhecido" do meu solo na música NOISE GARDEN do primeiro CD da Burnin´ Boat. Falando na BB, vale lembrar que tocamos em alguns ensaios uma boa porção da música CRUSHING DAY, que é das melhores do disco (só não lembro se chegamos a tocar isso em show); como é legal aquele início só com a guitarra no power chord C5. Outras clássicas são ICE 9 (ficou muito legal ao vivo no Live in San Francisco), CIRCLES (seguido eu ouço essa como trilha-sonora de reportagens de TV), SATCH BOOGIE (não é das minhas favoritas, mas reconheço que é destruidora - aquela parada no meio da música para os tappings é dispensável). Acredito que o CD que eu tenho foi adquirido na Renner de algum Shopping da Capital.
Nesse disco, Satriani já apresenta suas marcas registradas: (a) elevada consciência melódica, que proporciona temas simples e marcantes, o que o diferencia de Steve Vai, igualmente dotado de grande capacidade musical, mas que adota um estilo com composições não tão fáceis de assimilar (eu diria até que algumas vezes é IMPOSSÍVEL de assimilar, ou seja, algumas músicas são realmente muito chatas); (b) técnica perfeita, com palhetadas mais econômicas; Satriani recorre aos tappings, hammer-nos, pull-offs, legatos e sweep-picking arpejos muito mais seguidamente do que palhetadas vigorosas que notabilizaram Steve Morse e, mais recentemente, John Petrucci; (c) uso preciso de harmônicos artificiais com alavanca, os populares "gritinhos", introduzidos por Van Halen, mas levados a sério por Satriani.
FLYING IN A BLUE DREAM (1989) foi um disco difícil de conseguir. Jamais o encontrei em versão nacional, e o importado era muito caro (somente adquiri aproveitando uma promoção na MadHouse, em época que já não ouvia Satriani com tanta freqüência). Nesta álbum, Satriani inaugura-se como vocalista, sendo que se percebe a intenção rock´n´roll e blues no estilo de cantar. Dessas músicas cantadas, a única que é realmente boa é o rockão pesado BIG BAD MOON, que tem um belo riff, bons solos (até com harmônica, a popular gaitinha de boca), e o vocal em registro baixo (que é o que melhor o guitarrista conseguiu fazer, e vem fazendo ultimamente). O disco tem ainda um punhado de canções de pouco mais de um minuto, que parecem mais vinhetas nas quais o guitarrista emprega tappings com as duas mãos. Mas músicas boas mesmo o álbum só tem três: a faixa-título, BACK DO SHALA-BALL e ONE BIG RUSH - as duas últimas têm aquela pegada "trilha-sonora-de-viagem-pela-Freeway", e são o tipo de música que Satch faz de melhor: músicas aceleradas, com um tema pegajoso e bem melódico. Outro destaque é THE MYSTICAL POTATOE GROOVE HEAD THING, na qual o guitarrista emprega uns arpejos com legato muito impressionantes.
THE EXTREMIST (1992) é um baita CD, adquirido por 12´90 numa promoção duma loja da Gal. Chaves no verão de 1996. Antes disso eu já havia ouvido o CD pela MadSound (recentemente desativada), e gravado em fita (foi a trilha-sonora de uma madrugada que eu passei na fila para encaminhar a documentação para tirar a carteira de motorista, na época em que isso era necessário). A melhor música do CD é possivelmente a melhor da carreira do guitarrista: SUMMER SONG (durante alguns anos tocou como prefixo musical do Vídeo Show). Trata-se de outra música perfeita do guitarrista, com um tema memorável, e belos licks com pentatônicas. Outra das minhas favoritas é MOTORCYCLE DRIVER, que para minha surpresa não é tocada nos shows. O tema é tocado em oitavas, e o baterista (Greg Bissonette) é responsável pelo Momento Lucky Strke da composição, numa pausa muito bem colocada na volta do riff após o solo. O disco tem uma balada muito bonita – RUBINA´S BLUE SKY HAPPINESS – e um clássico que só agora, depois do G3 Live in Tokyo, eu me dei conta: WAR, uma música pesada e muito legal.
Foi muito difícil ouvir JOE SATRIANI (1995). Satch dispensou os seus acompanhantes habituais (Stu Hamm, Jeff Campitelli, os irmãos Bissonette, entre outros), e apostou em músicos com formação jazzística agregados pelo produtor do álbum, para gravar o disco mais obscuro da sua carreira (sem contar o péssimo Not of this Earth). A audição do álbum, realmente, não é pacífica. A obsessão que Steve Vai demonstra em seguir os passos de Frank Zappa é comparável com a de Satriani em se apresentar como um guitarrista de blues. COOL #9, no entanto, torna-se memorável pela sessão acrobática de slides seguida por um legato descendente (numa pausa da banda) absolutamente imprevisível. Mas é o tipo de truque que impressiona menos os ouvidos, e sim os olhos. LUMINOUS FLESH GIANTS eleva um pouco o ânimo blues do disco, que, afinal é blues no estilo da música e no espírito das composições. LOOK MY WAY é a faixa com vocal (com efeitos), e é hilária na sua pegada anos 30 – gostei do título e tudo mais. KILLER BEE BOP é o último destaque: cuida-se de um jazz absolutamente fora de controle; parece que todos os músicos estão solando ao mesmo tempo, especialmente a bateria. O riff é repleto de hammer-ons e pull-offs rapidíssimos, bastante difíceis de recriar.
CRYSTAL PLANET (1998) eu adquiri em 1998, no lançamento, no mesmo dia em que comprei FACING THE ANIMAL do Malmsteen. Marca o início do envolvimento do guitarrista com a música eletrônica, embora de forma ainda tímida, e o retorno ao tipo de composições da época de SURFING WITH THE ALIEN. Não há músicas cantadas. A abertura é uma paulada: UP IN THE SKY é uma das minhas favoritas, com aquele riff de abertura com harmônicos naturais, seguida de um daqueles temas legais. HOUSE FULL OF BULLETS é o blues obrigatório e tradicional, no formato I-IV-V. A faixa-título também é muito legal, e fica excelente ao vivo. LOVE THING, por sua vez, é uma pálida tentativa de recriar ALWAYS WITH ME ALWAYS WITH YOU. Outros destaques são CEREMONY e A TRAIN OF ANGELS. TIME não é uma música boa, e estranhamente foi eleita para abrir o show em Porto Alegre, bem como o CD LIVE IN SAN FRANCISCO.
Satriani lançou, ainda, mais três discos de estúdio: ENGINES OF CREATION (2000), absolutamente desprezível por ser um disco de guitarras com música eletrônica, e por ser incapaz de agradar aos fãs de guitarras e aos de música eletrônica; STRANGE BEAUTIFUL MUSIC(2002), conta com algumas músicas com riffs em guitarra de sete cordas (MIND STORM e SEVEN STRINGS), e uns poucos destaques, nos quais o guitarrista adotou melodias em escalas que emitem sonoridades orientais (ORIENTAL MELODY, BELLY DANCER); IS THERE LOVE IN SPACE? (2004) segue essa última tendência, com algumas músicas boas como GNAAHH e UP IN FLAMES. LIFESTYLE marca o retorno do vocal e é muito ruim, naquele manjado estilo I-IV-V. IF I COULD FLY tem uma levada de violão muito legal – a música é comprida, mas bastante radiofônica. Seja como for, esses três discos não são indispensáveis em comparação com os precedentes, de modo que esse fato, aliado ao preço exorbitante exigido pelas lojas, tornam proibitiva a aquisição dos CDs.
Os CDs ao vivo são bons, incluindo os lançados com o G3. TIME MACHINE (1993) é duplo e eu adquiri de barbada na Grammy & Classic Rock da Gal. Chaves. O primeiro CD conta com músicas de estúdio, e o destaque negativo fica por conta da despicienda WOODSTOCK JAM (certa vez, o Diego referiu que essa era a pior da carreira de Satriani, absolutamente impossível de ouvir até o final dos seus 16 - ! – minutos). SPEED OF LIGHT e CRAZY começam muito bem, mas perdem o foco no desenrolar do tempo. O segundo CD sim é que é ao vivo, e é uma boa oportunidade para o guitarrista demonstrar que os seus truques não são truques de estúdio: o cara consegue reproduzir ao vivo todos os riffs e licks das versões de estúdio. O repertório conta com algumas das faixas que até hoje fazem parte do set-list, como SATCH BOOGIE, SUMMER SONG, ALWAYS WITH ME (...), FLYIN IN A BLUE DREAM, SURFING WITH THE ALIEN, THE CRUSH OF LOVE, BIG BAD MOON.
LIVE IN SAN FRANCISCO (2001) foi lançado mais recentemente, e é composto essencialmente pelas mesmas músicas apresentadas no show em Porto Alegre em 2001. A turnê da época era a do ENGINES OF CREATION, de modo que foi legal ouvir duas músicas daquele disco que ficaram excelentes em versão rock (com o acompanhamento de uma banda de verdade – Campitelli e Hamm): DEVIL´S SLIDE e BORG SEX. das minhas favoritas, ficaram brilhantes ICE 9, CRYSTAL PLANET e ONE BIG RUSH. Por sorte, o solo de baixo de Stu Hamm foi deixado na íntegra. Até hoje desconheço o motivo das vaias do público de San Francisco ao baixista – desde o início até o final, e mesmo no solo, ouve-se aquele “uuuuuuuu”. O solo de baixo, como eu ia dizendo, é uma preciosidade: o cara passeia por LOVE THING (do próprio Satch), Beethoven, música country, com o two-hands em dia.
Dos guitarristas que seguem orientação instrumental, segue sendo o meu favorito.