sábado, 13 de outubro de 2007

Melhores discos de todos os tempos - DEEP PURPLE "Burn" 1974

Sabe-se que na época em que foi gravado "Burn", final de 1973 (lançado em 1974), o Deep Purple já era tida como uma das bandas mais destacadas de hard rock. Os caras eram estrelas, e portanto milionários. Afinal, a banda de Blackmore/Gillan/Glover/Lord/Paice havia registrado em seqüência "In Rock" (1970), "Fireball" (1971) e especialmente "Machine Head" (1972) e "Made in Japan". Após "Who do We Think We Are", Ian Gillan e Roger Glover resolveram seguir outros rumos, e iniciaram uma rotina de instabilidade na formação da banda que duraria mais de 20 anos. Mediante audições de candidatos aos postos de Gillan e Glover, chegou-se ao nome de Glenn Hughes, baixista e vocalista do Trapeze. Além dele, resolveu-se pela contratação de David Coverdale, um vendedor de loja de discos que não tinha experiência de gravação profissional. Para mim é espantoso como uma banda agregada dessa forma adquiriu entrosamento a ponto de compor um material tão poderoso.

Como em diversas outras ocasiões - em relação a outras bandas e músicas - no começo dos anos 90 achava que tudo o que fosse relacionado com hard rock farofa era despiciendo. Nessas condições, era natural que não tivesse o menor respeito por Whitesnake ou por David Coverdale. E durante algum tempo me recusei a ouvir qualquer formação do Deep Purple na qual Ian Gillan estivesse ausente.

Assistindo ao documentário Heavy Metal Pioneers em vhs (alugado da TV3), em 1995, fiquei impressionado com as imagens do show memorável no California Jam em 1974. Resolvi, então, alugar na Symphony (na R. José Bonifácio, já extinta) o MADE IN EUROPE. Foi só botar o cd para rodar que identifiquei imediatamente o riff (espetacular) de BURN. A partir daí tomei gosto pela formação com Glenn Hughes e David Coverdale, e como geralmente ocorre fui atrás de tudo o que dissesse respeito a essa encarnação do Deep Purple.

O disco "Burn" foi adquirido sob condições inusitadas. Na época do dólar/real um-por-um, o cd importado custava 20 pila, pouco menos que um bicho de pelúcia. Em 1995, uma colega do colégio (que também era colega no cursinho) se queixou quando eu apareci com um bicho de pelúcia para dar de presente para outra colega, aniversariante. "Se tu me deres um CD, eu te dou um bicho de pelúcia". Na Del Turista ela escolheu o bicho, e eu escolhi "Burn" na Stoned.

Cheguei em casa e ouvi o cd inteiro, com toda a atenção, no aparelho de som da sala, em alto volume. A faixa título, além de ter um riff espetacular, é uma música perfeita. A letra é muito legal (sobre uma misteriosa mulher que com um aceno de mão trouxe desgraça a uma comunidade), e cantada por Coverdale casa bem com o clima proporcionado pelo riff e pela frenética bateria de Ian Paice nos versos. Até hoje desconheço como o cara teve a idéia de fazer mini-solos de bateria durante os versos cantados, e acredito que é nessas ocasiões que se manifesta a genialidade de um músico. Essa música é ainda uma espécie de embrião do que nos anos 80 viria a ser conhecido como heavy metal melódico, por reunir algumas características como (a) andamento acelerado, (b) solos de guitarra e teclado, (c) dueto de arpejos de guitarra e teclado, (d) vocal agudo, cortesia de Glenn Hughes nas partes antes dos solos ("You know we have no time"). Durante anos "Burn" era tida por mim como uma música impossível de ser reproduzida, e foi com indisfarçável orgulho que a Burnin´ Boat tocou essa faixa em vários shows e ensaios.

MIGHT JUST TAKE YOUR LIFE é um rock centrado num riff de teclado, dobrado pela guitarra, em andamento mais rocker, por assim dizer. Como em todo o disco, Coverdale confere uma interpretação autêntica à letra, e a interação com Glenn Hughes comprova que foi mais do que acertada a decisão da banda de contar com dois vocalistas. Não há solo de guitarra, somente Jon Lord sola ao final, e na verdade a beleza da música está mesmo nos vocais.

LAY DOWN STAY DOWN é outro rock só que mais rápido, com um riff bem característico de Blackmore (a combinação E-G-A e variações aparece também em NOBODY´S HOME do disco "Perfect Strangers"). Novamente Paice se destaca nos versos: a banda faz pausas, Coverdale e Hughes se revezam brilhantemente nos versos, e Paice ataca a bateria. No solo de Blackmore, o guitarrista brinca com um lick que depois viraria um riff numa música do disco seguinte "Stormbringer" (falo de HIGH BALL SHOOTER).

SAIL AWAY é uma triste balada, com comovente interpretação de Coverdale e Hughes - destaque para o primeiro. É realmente de arrepiar, especialmente no último refrão quando Coverdale solta "I´ll be there someday, hey hey heeeeeeey". Enquanto Gillan é o festeiro/mulherengo cantando as boas coisas da vida (em WHEN A BLIND MAN CRIES o cara não deixa de cantar a plenos pulmões), Coverdale é o cara que sofre por amor e tudo mais, e expressa toda a sua miséria nas letras e na interpretação.

Composição que Blackmore se auto-plagiou posteriormente é essa YOU FOOL NO ONE (nesse sentido, v.g., STILL I´M SAD do Rainbow). É fácil se identificar com a letra, cuja temática é recorrente nas músicas de Coverdale (v.g., FOOL FOR YOUR LOVING do Whitesnake). Paice se sai com uma inspirada levada na bateria. Nas apresentações ao vivo geralmente era precedida de uma introdução no Hammond de Jon Lord (nos famigerados "final concerts" dessa formação, na França e na Alemanha, Lord tocava vários temas nesse momento, dentre os quais "Assim Falou Zaratustra", mais conhecida como a música do 2001 Uma Odisséia no Espaço).

WHAT´S GOIN´ ON HERE tem espaço para solos generosos. É um rock bem tradicional para o padrão Deep Purple, no qual Coverdale e Hughes se alternam nos versos que aparentemente descrevem uma bebedeira monumental.

Como já fizera em SAIL AWAY, Coverdale sussurra, suspira e geme os versos de MISTREATED, e realmente dá pra acreditar que o cara está sendo "mistreated" e perdendo a cabeça. Trata-se de um blues memorável, que tem versões ao vivo imperdíveis no disco "Made in Europe" e em outros bootlegs, com a interpolação de ROCK ME BABY. Quando ouvi pela primeira vez, achei o solo de Blackmore tedioso, mas faço questão de tocar nota-por-nota, na medida do possível.

"A" 200 é um instrumental fora de posição, a meu juízo, nesse disco. Alguma razão deve ter havido para a inserção dessa faixa que, a rigor, não acrescenta nada sequer musicalmente. Seja como for, é só parar de ouvir o disco ao fimal de Mistreated.

Depois desse disco, o Deep Purple compôs dois bons álbuns ("Stormbringer" e "Come Taste the Band"), não sem passar pela saída de Blackmore e mesmo pelo encerramento das atividades em 1976. Só no retorno da formação com Gillan e Glover, em 1984 com "Perfect Strangers" que se ouviu a banda compor material de primeira qualidade.

2 comentários:

Maria Ribeiro disse...

Gostei muito do texto... Para mim, Burn é dos melhores discos do Deep Purple.
É isso aí, rock n' roll will never die!

RIVAS disse...

GOSTO TANTO DESSE DISCO(COLOCAVA PRA MINHA FILHA DESDE PEQUENA OUVIR)QUE TENHO EM CD E EM LP, ESSA DUPLA DE VOCAL É INCOMPARÁVEL, MAS A VERSÃO DO 40TH ANIVERSARY JÁ NÃO ME SERVIU

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