sábado, 28 de março de 2015

Resenha de CDs - Pink Floyd "A Momentary Lapse of Reason" (1987)

Retomando as atividades deste blog (parado desde agosto/2013), pensei em escrever sobre os discos que venho ouvindo recentemente. Cogitei alguns, mas o mais importante de todos eu já havia esboçado: um rascunho de 2010 sobre o disco de retorno do Pink Floyd após a saída de Roger Waters.

Bem, as coisas mudaram muito pessoalmente de 2010 para cá, e esse disco - "A Momentary Lapse of Reason"- veio a se apresentar como uma espécie de marco há pouco mais de um ano atrás. Sobretudo por causa de uma música, "Learning to Fly", o carro-chefe do disco.

Se a música, desde logo (ouvi pela primeira vez em 1993, quando aluguei o "Delicate Sound of Thunder" numa locadora de CDs perto do Colégio Sévigné, na Rua Mal. Floriano - onde agora opera a Boca do Disco), achei legal (o riff, os licks cortantes que vêm depois do refrão e antes do próximo verso, o solo, o vocal de Gilmour, o refrão), foi só anos mais tarde que a composição adquiriu um novo sentido (ou um sentido tout court).

Geralmente se diz - e é fácil intuir - que a letra de "Learning to Fly" versa sobre a então nova paixão de Gilmour e Mason, os membros remanescentes do Pink Floyd após "The Final Cut": a aviação. Os dois tiveram aulas de voo, e a letra parece descrever o entusiamo por esse hobby dos músicos. No entanto, mais recentemente, fui apresentado a mais um significado da letra: de recomeço, de aprender a se reerguer após algum momento importante. E a partir do Natal de 2013 essa música passou a ser um hino pessoal.

Em 2010, quando comecei a escrever a resenha desse disco (comprei o CD na época - 2009/2010 -, na Toca do Disco, e depois comprei a edição remasterizada de 2011 em alguma megastore; e não notei diferenças significativas entre as versões), as minhas pesquisas eram ainda incipientes: um Rough Guide, entrevistas da Guitar World, o livro do Nick Mason, e a wikipedia. No segundo semestre de 2014 li um excelente livro sobre a banda: "Pigs Might Fly", do Mark Blake, que comprei na Amazon e li no celular (tenho gostado de ler nos aplicativos do Kindle e do iBooks no iPhone).

Então, o que escrevi em 2010 refletia o conhecimento que eu tinha na época: "Com a saída de Roger Waters, o Pink Floyd seguiu sob a coordenação de David Gilmour. Mas as coisas não se deram imediatamente, pois Gilmour não é um compositor tão prolífico quanto Waters, apesar de inegavelmente mais talentoso. Fato é que Gilmour resolveu seguir carreira com o Floyd e para as novas composições se cercou de vários músicos de fora, além do produtor Bob Ezrin. A noção mais comum é a de que se "The Final Cut" era o disco solo de Roger Waters, "A Momentary Lapse of Reason" foi o disco solo de David Gilmour."

Todo o processo de "AMLOR" foi bastante complicado para Gilmour, que estava determinado a seguir adiante com o Pink Floyd, após ter chegado a conclusão de que os nomes de David Gilmour e Roger Waters, por si sós (isto é, carreira solo) não significavam nada para o público (os discos lançados pelos dois, "About Face" e "The Pros and Cons of Hitch-hiking" não foram bem sucedidos comercialmente, e as turnês foram pífias em comparação com os números de vendas e ingressos vendidos pelo Pink Floyd).

É bem documentada a reação de Waters ao saber dos passos de Gilmour quanto ao retorno da banda: ele nunca vai conseguir. E a partir do momento que as coisas avançaram, as batalhas judiciais recrudesceram. Quem estava legalmente habilitado a seguir com o nome da banda? Waters? Gilmour? Ou ninguém? Waters, Mason e Gilmour estavam vinculados contratualmente, e Roger chegou a ameaçar participar das gravações nem que fosse para sentar no sofá, ao fundo, e dizer que tudo estava uma merda. A questão jurídica acabou resolvida mediante interpretações de cláusulas contratuais. Waters saiu da banda para evitar ser processado pela gravadora e pela banda por quebra de contrato, e as cifras envolvidas significariam a perda de muita ou toda a grana do cara.

Gilmour, sem Waters, precisava se cercar de todas as melhores pessoas possíveis para fazer o melhor disco possível. Fácil lembrar de Bob Ezrin para a produção, o cara que ajudou a fazer de "The Wall" um dos discos mais lendários e vendidos de todos os tempos. Interessante saber que Waters primeiro tentou contato com Ezrin (Roger ficou de cara com Bob por uma besteira e os dois passaram anos sem se falar) para tentar conseguir sua colaboração no próximo disco. Waters ditou todas as regras, e a mais delicada seria a de que Ezrin deveria se mudar com a família para a Inglaterra por alguns meses. O produtor assentiu, inclusive persuadindo a família, mas algumas semanas depois pulou fora alegando questões familiares (a esposa se recusou a fazer a mudança). Waters chamou Ezrin de tudo o que é nome, e as coisas não ficaram melhores quando soube que o produtor iria trabalhar com Gilmour no próximo disco do Pink Floyd. Ao que parece, Ezrin recebeu chamado de Gilmour, e a conversa foi num tom muito diferente: o guitarrista tranquilizou o produtor, dizendo que ambos eram caras de família, e que o disco seria feito por partes, e Gilmour iria ao encontro de Ezrin nos EUA.

Boa parte, senão todo, o disco foi gravado no barco de Gilmour. Foram chamados vários instrumentistas topo de linha, o mais notável o baixista Tony Levin, e vários bateristas se revezaram para registrar as linhas que deveriam ser de Nick Mason. Pode-se até atribuir ao Waters a baixa autoestima e o desinteresse pela música que levaram o baterista a ficar anos sem segurar as baquetas. Fora de forma e sem confiança, Mason cedeu lugar para músicos de estúdio, e marcou presença com gravações externas (p. ex., o middle section de "Learning to Fly").

Foi um parto, mas Gilmour conseguiu lançar um disco do Pink Floyd com algumas músicas muito boas do Pink Floyd (e não de um artista solo, ou de uma banda sem direção). Além de "Learning to Fly", o disco contém a excelente "On the Turning Away", com letra comovente e uma levada em 5/4, que cai para 4/4 no clássico solo matador de Gilmour. Outra das minhas favoritas é "Sorrow", com um baita timbre de guitarra e um baita riff inicial. "The Dogs of War" é legal, mas daí para frente a qualidade oscila bastante.

"A Momentary Lapse of Reason" é um disco e "Learning to Fly" é uma música que representam recomeços.

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