sábado, 25 de abril de 2009

Discos Essenciais - Megadeth "Countdown to Extinction" (1992)

No começo dos anos 1990, logo após comprarmos um CD player, me vali do acervo das locadoras de CDs (notadamente MadSound e TV3 Vídeo, e em menor medida a extinta Vídeo World - que ficava ao lado da TV3 -, CD Express (que ficava na Av. Independência, em frente ao Hospital Getúlio Vargas, quase esquina com a R. Garibaldi) e Symphony (que ficava na R. José Bonifácio, do lado da Igreja Sta. Terezinha). Aluguei muitos CDs nessa época, para conhecer todo o tipo de banda de heavy metal e hard rock. Naturalmente aluguei CDs do Megadeth, no caso "Countdown to Extinction" na MadSound e "Rust in Piece" na Symphony.

Geralmente gravava uma C-60 para poder escutar o disco mais vezes, e lembro de ter escutado apenas uma vez o backup que fiz para "Countdown to Extinction" em 1993. Estava quase dormindo com os headphones, mas fiquei com uma excelente primeira impressão da banda de Dave Mustaine: pelo menos as cinco primeiras faixas eram muito boas, com guitarras bem gravadas e executadas com precisão, além de uma bateria bem dinâmica.

No verão de 1995 a banda já havia lançado "Youthanasia" e a MTV exibia regularmente o clip de "Train of Consequences", cuja música era muito legal. Meus amigos estavam todos na praia (Laguna/SC), então só me restava ouvir música e tocar meu violão recém adquirido. Numa tarde quente, resolvi comprar na Multisom do Praia de Belas tanto "Countdown to Extinction" quanto "Youthanasia", e lembro do orgulho de trazer para casa dois CDs novos de uma banda contemporânea (e não dos anos 1970 que costumava ouvir), no espírito "comprar para conhecer melhor".

"Countdown to Extinction" se revelou um disco extraordinário, que representou a culminação da carreira do Megadeth em direção a um disco de sucesso de vendas. A banda sempre teve vendas expressivas, com discos de ouro e de platina desde a estreia com "Killing is My Business... and Business is Good", mas Dave Mustaine buscava o sucesso absoluto que era desfrutado por seus antigos companheiros do Metallica. Assim, depois de um disco obra-prima do prog-thrash-speed-metal que foi "Rust in Piece" de 1990, a banda gravou "Countown to Extinction" em 1992 com composições mais curtas e diretas, sem prejuízo da complexidade dos riffs e da dinâmica das músicas, sem contar as letras expressivas, com críticas a certas hipocrisias, ironias sofisticadas e frases de efeito memoráveis (a expressão "Black tooth grin", da faixa "Sweating Bullets" acabou virando nome de uma bebida preparada pelos integrantes do Pantera e o Zakk Wylde).

Assim, o disco abre rápido e rasteiro com uma das minhas favoritas, "Skin O´My Teeth". A faixa tem um riff que utiliza as mesmas notas do clássico "2 Minutes to Midnight" do Iron Maiden (A na 5.ª corda solta e os power chords invertidos C, D e A), mas com muita rapidez e precisão. O riff do refrão é daqueles complicados, com saltos de cordas, e como tantos outros serve para mostrar que Mustaine é "o cara" ao tocar um riff complicado e cantar sobre ele. O solo de Marty Friedman é espetacular, com muitas notas mas bem composto e colocado sobre a base de Mustaine (um riff diferente). Depois do solo é reprisado o começo da faixa, e na pausa Mustaine toca as cordas com a palheta dando um efeito muito legal, como se a guitarra estivesse dando uma espécie de freada.

Depois de uma música rápida, nada melhor do que uma com andamento mais cadenciado, e se se tratar da melhor faixa do disco, tanto melhor. Segue-se um dos maiores hits da banda, "Symphony of Destruction". O riff é muito fácil de tocar, e não há demérito algum nisso - há muitos riffs fáceis de tocar e que são matadores. O mérito da composição é todo de Mustaine, que criou um riff, como dito, fácil de tocar, mas sofisticado de certa forma, com várias pausas entre F-E--E, F-E--E, e cordas abafadas em F-G-F. Essa parte acompanha todos os versos até o pre-chorus com a 5.ª corda solta e uns double-stops harmonizados na 3.ª e na 2.ª cordas, até se resolver no riff que serve de base para o refrão, bastante melódico por sinal e com cromatismos interessantes. O solo é um dos melhores de Marty Friedman, e já li depoimento do cara no qual ele relata a sua composição: começa com poucas notas para dar lugar à debulhação de arpejos bem colocados no decorrer. A composição é perfeita.

Um dos riffs característicos de Mustaine é do tipo locomotiva, com bastante trabalho para a mão direita em termos de upstrokes e downstrokes. Um bom exemplo é o início de "Architecture of Aggression". Não tenho notícia dessa faixa ser tocada ao vivo, mas é uma das minhas favoritas. Tem várias partes e, mais uma vez, tem um riff sofisticado durante o refrão. Quando li o livro de partituras desse disco, dei uma conferida na transcrição do solo e aí me abri para o Friedman: o cara toca notas que jamais havia imaginado que fariam algum sentido. Esse é o trabalho do cara, compor solos espetaculares.

"Foreclosure of a Dream" tem um clip muito legal para a MTV e é uma faixa mais básica em termos de Megadeth. Friedman faz um dedilhado sobre o qual Mustaine toca umas notas oitavadas dando a melodia. O refrão é simples: G-F, C-Bb, e no final modula para A-G, D-C, sendo certo que isso se trata de um recurso comum na música pop, para viabilizar ainda maior repetição do refrão. A música é repleta de solos pequenos.

"Sweating Bullets" é outra com clip na MTV, no qual Mustaine representa o tempo todo alguém "mentally disturbed" retradado na letra. Desta vez o solo é de Mustaine, e é um dos seus melhores, com cromatismos e tudo mais. Há ainda um riff que utiliza outro tipo de cromatismos lá pelo meio, e é um dos melhores exemplos de como ele se utiliza desse recurso. Os versos todos são no estilo start-stop, com os acordes Bb-A-E tocados de forma bem rápida e seguidos de longas pausas nas quais Mustaine canta coisas do tipo "Ya just keep on thinking it´s my fault, stay a inch or two of a kicking distance".

Essas músicas, até aqui, são todas diferentes umas das outras e são as de maior destaque do álbum. Mas as seguintes servem para demonstrar como Mustaine consegue ser sofisticado na composição de riffs e músicas sem precisar entopi-las de múltiplas partes, e acomodá-las em faixas de 4 a 5 minutos.

É o que digo sobre "This Was My Life", notadamente nos versos que são acompanhados pelas guitarras tocando notas sobre acordes ascendentes. No riff de abertura - e que serve de refrão - aparecem os cromatismos com power chords, bem básico. A faixa título, por sua vez, é conduzida nos versos pelo baixo de David Ellefson. Aparentemente a faixa, que trata de espécies ameaçadas de extinção, foi premiada por entidades afins a essa problemática ambiental. "High Speed Dirt" é outra com andamento acelerado e tem um riff inicial - e principal - bastante longo, cheio de partes, bem complexo mesmo, e muito bom. No final há uma pausa para um solo de Friedman com guitarra com timbre limpo, uma raridade e que conferiu à peça um certo sentido rockabilly. É o tipo de tentativa que os caras resolvem fazer por sugestão de alguém e que dá bastante certo. "Psychotron" poderia parecer para alguém uma espécie de "filler", mas acho uma boa faixa, que não foge do estilo do disco. Gosto das guitarras nos versos: o andamento é reto, com a 6.ª corda solta sendo tocada repetidamente, interrompida por breves power chords que parecem ter sido escolhidos aleatoriamente - pelo menos esse é o efeito aparente. "Captive Honour" acaba sendo lembrada mais pelos diversos diálogos que retratam alguém sendo julgado por algum crime e levado à prisão. A faixa mais complicada em termos técnicos é "Ashes in Your Mouth", a última do disco, que tem muitas partes e todas elas são muito legais, especialmente para o riff do refrão, e notadamente ainda para a parte em que só as guitarras tocam o riff do refrão - sem acompanhamento pelo vocal.

"Countdown to Extinction" foi um disco excepcional, composto por uma excelente banda de heavy metal no áuge da sua forma musical. Não tenho a menor dúvida de que a formação Mustaine/Ellefson/Friedman/Menza é a melhor que o Megadeth já teve, e não tenho a menor esperança de que Mustaine consiga reunir músicos talentosos de forma tão bem sucedida. Há alguns anos foram lançados todos os CDs da banda, remasterizados e com faixas bônus. Jamais foram lançados por aqui, de maneira que só vi nas lojas a versão importada por aproximadamente 70 reais. Encontrei, então, em Buenos Aires, na versão nacional deles, e trouxe da Ateneo por 18 pesos, uma verdadeira barbada (mais barato que o balaio da nossa Multisom). No caso presente, tem-se "Crown of Worms", uma faixa composta na mesma época em parceria com o guitarrista do Diamond Head, além de demos muito legais de "Psychotron", "Symphony of Destruction" (que é bastante similar ao que a banda costuma tocar nas apresentações ao vivo) e "Countdown to Extinction" (já ouvi em outra oportunidade a demo de "Architecture of Aggression" que é muito legal e teria sido um bônus mais atraente para essa nova edição do disco). No encarte há um depoimento de Mustaine sobre essa época, no qual ele fala do desapontamento de ter obtido apenas o n.º 2 do Top 200 da Billboard. Além disso, o cara revela que ele e Max Norman, o produtor, sabiam que o disco seria muito bem recebido na época. E não por acaso, pois o álbum foi composto de forma brilhante, gravado de maneira soberba (os sons de guitarra e bateria são magníficos) e lançado na época certa.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

CD - Lamb of God "Sacrament" (2006)

Existem bandas que eu levo um certo tempo para começar a gostar. Foi o caso do Metallica: no início achava o som detestável, mas depois que vi os caras tocando ao vivo no tributo ao Freddie Mercury mudei completamente de opinião e desde então se trata de uma das minhas bandas favoritas. Com Lamb of God pode-se dizer que é algo similar. Tomei conhecimento há uns 2 ou 3 anos, quando vi a capa de uma Guitar World na qual anunciava a nova onda de bandas de metal americanas. Durante algum tempo, no início dos anos 2000, a onda de bandas de metal americanas era composta pelas que tocavam o som que se convencionou chamar de "new metal", ou "nu metal", pela combinação (não inovadora, diga-se) de metal e hip-hop ou rap. Então, toda banda americana que apareceu nesse período podia ser confundida com o "nu metal", mas o destaque da revista para a "nova onda" enfatizava que havia bandas com músicos altamente técnicos, e que compunham músicas no velho estilo "thrash metal" mas com resultados ainda mais agressivos. As três bandas que apareciam na capa eram Lamb of God, Mastodon e Trivium.

Ouvi alguns mp3 e não fiquei impressionado de início. Afinal, gosto de vocais melódicos e essas bandas tinham vocais gritados. Além disso, as guitarras eram tecnicamente muito eficientes, mas os riffs complicados demais embolavam o som; assim, toda vez que ouvia uma música parecia que estava ouvindo-a pela primeira vez - não havia nada de reconhecível ou identificável ou memorável.

Mesmo assim, permaneci intrigado, e ano passado o Barboza mostrou parte dos CDs e vídeos que ele tem do Lamb of God. Há um ano atrás comecei a tentar ouvir os discos da banda que baixei, mas a tarefa era realmente complicada. A música que realmente parecia boa era "Redneck", não por acaso indicada para Grammy e tal.

Não há discos de Lamb of God lançados no Brasil. E em versão importada o preço é abusivo. Tive que esperar, então, a oportunidade para, em Buenos Aires, encontrar o disco "Sacrament", de 2006, por aproximadamente 25 reais, na Ateneo (na Musimundo não tinha, apesar de lá ter quase tudo e com preço mais barato).

Parece-me que há de comum nessas bandas da "new wave of american metal" é que os primeiros discos têm som brutal, de difícil audição, e os discos mais recentes são mais tranquilos para ouvir. Esse é o caso de "Sacrament", que até então era o disco mais bem sucedido dos caras, com boa aparição no Top 200 da Billboard.

Lamb of God é conhecida pelos riffs complicados executados em alta velocidade. Só ouvindo as músicas é difícil identificar em que região do braço da guitarra está sendo executado determinado riff. Então, mais do que nunca, para curtir integralmente o som dos caras é importante ver os guitarristas tocando. O som é pesado, e durante esse tempo todo não sabia qual era a afinação utilizada pelos caras. Dias atrás resolvi plugar a guitarra e fazer uma jam com o CD para descobrir, então, que os riffs utilizam bastante a nota D e verifiquei, depois, que isso não era por acaso, pois a afinação das guitarras do Lamb of God é nada menos que o tradicional e para mim muito familiar drop-D. Isso facilitou um monte as coisas, embora a reprodução dos riffs não tenha se tornado imediatamente fácil (principalmente pela palhetada da mão direita, que ainda estou tentando readquirir).

Músicas legais de "Sacrament" são a faixa de abertura, "Walk With Me in Hell", o hit "Redneck" e a última, "Beating on Death´s Door". A primeira conta com um riff que é bem parecido com um que eu e o Bruce costumávamos tocar, há mais de 7 anos, numa jam que chamávamos de "Swimming in the Nile". "Redneck" tem o melhor riff da banda, muito legal mesmo, e do qual me insipirei para fazer um que gravei ano passado (um dos riffs de "Obliviuos"); há ainda um refrão marcante, digamos assim. "Beating on Death´s Door" é uma pauleira de uma correria, que lembra Motorhead na levada.

É inevitável pensar em Pantera durante a audição de um disco como esse do Lamb of God, mas a comparação é por mera aproximação devido ao peso das guitarras e aos vocais agressivos, mas a banda texana leva vantagem na criação de riffs memoráveis ("I´m Broken", "Yesterday Don´t Mean Shit", "Drag the Waters", "Walk", "Cemetery Gates") e na diversidade de andamento das faixas (há faixas rápidas, lentas, ultrarápidas, cadenciadas, etc). Seja como for, é altamente recomendável prestigiar bandas como Lamb of God, que levam a sério a composição de riffs bons de guitarra e de músicas boas de heavy metal.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

CD - Return to Forever "Returns" (2008)

Depois de muitos anos ouvindo os discos das bandas de jazz fusion apenas por mp3, por encontrá-los apenas nas bocas do disco, importados e com preços exorbitantes para os padrões nacionais, em 2008 finalmente vi lançados por aqui 5 discos da Mahavishnu Orchestra e outros 5 do Weather Report, em caixas especiais, sem encartes e com preço promocional. Isso aplacou um pouco a minha ansiedade, mas ainda faltava o Return to Forever. Afinal, essa banda também é do tipo que conta com músicos extraordinários (Chick Corea, Stanley Clarke, Lenny White e Bill Connors, substituído em seguida por Al Di Meola) e composições muito legais.

No decorrer de 2008 tomei notícia da reunião da formação Corea/Clarke/White/Di Meola para uma turnê nos EUA e Europa. E o resultado disso apareceu por aqui esse ano, no disco duplo ao vivo "Return to Forever Returns". Fiquei sabendo do lançamento do disco no site da Cultura e imediatamente fui atrás do disco - e o preço mais baixo que achei - 22 pila - foi na Fnac.

Alguns dos maiores clássicos - não todos - se fazem presentes, como a fantásitca "Hymn of the Seventh Galaxy" (a melhor, particularmente falando - desde logo os caras mostram extrema fluidez na execução dessa música com muitas dinâmicas), além de "Romantic Warrior" e "No Mistery". Além de faixas da banda, há espaços generosos para os solos dos integrantes. No caso de Al Di Meola, o cara aproveitou para executar uma de suas mais conhecidas, a acústica e matadora "Mediterranean Sundance". Uma coisa que é preciso ouvir é a fritação inacreditável em "Duel of the Jester and the Tyrant", com performances absurdas de todos os integrantes (nem consigo imaginar como Lenny White toca tanto na bateria - impõe-se um DVD desse show).

Achei exagerado, no entanto, os espaços para os solos. Afinal, o disco pode se dividir em dois momentos: os músicos solando sozinhos e os músicos solando acompanhados, pois há longas jams no decorrer das faixas. Tantos solos e tantas jams acabam dispersando a audição. Senti falta da minha música favorita dos caras, "Medieval Overture".

Após uma reunião tão bem sucedida como essa do Return to Forever, calharia bem uma similar da Mahavisnhu Orchestra e do Weather Report.

sábado, 18 de abril de 2009

Discos essenciais - Black Sabbath “Dehumanizer” (1992)

Antes do Heaven and Hell, o Black Sabbath, i. é, Tony Iommi, já havia tentado fazer o retorno da formação do disco “Mob Rules” de 1981, frutificando no excelente “Dehumanizer”. Esse tipo de reunião se tornou comum mais recentemente, mas o fato é que Iommi tentava manter o Sabbath em atividade com lançamentos regulares e Dio tentava manter sua carreira-solo da mesma forma. Não sei se a hora foi a correta, mas o resultado foi primoroso.

Lembro que “TV Crimes” passava no Gas Total. Na época não dei muita bola, mas fiz proposta para o meu colega de faculdade João Carlos e levei o disco para casa (10 pila, mesmo preço do balaio de uma loja de cds que tinha no 2.º andar da Galeria Chaves). O disco já abre com uma vigorosa introdução de bateria de Vinnie Appice em “Computer God”. Os riffs são meio incomuns, com várias paradas, mas o efeito todo é muito legal. Os primeiros versos são memoráveis - Dio sempre foi muito competente nesse sentido, e é senso comum dizer-se que ele é um vocalista com muito mais recursos que Ozzy.

Em “Dehumanizer” todas as músicas são boas. Em todas elas há momentos dignos de atenção, como os versos de “I”, o riff descendente e toda a interpretação de Dio em “After All (The Dead)”, o riff com Power chords, a levada na caixa da bateria durante os versos, o refrão arrasa-quarteirão, e a mudança antes do solo de guitarra em “TV Crimes” (a melhor faixa, sem dúvida, uma das minhas favoritas da banda), o riff e a levada de "Time Machine", entre outros.

As composições são fortes e altamente inspiradoras. Essa formação com Dio/Iommi/Butler/Appice atua, presentemente, sob o nome de Heaven and Hell e ouvi uma prévia do disco que está para ser lançado, "The Devil You Know". E o clima é bem parecido, com riffs bem pesados e andamento mais lento, bem ao gosto do Dio (como pude descobrir após uma entrevista do Doug Aldrich divulgada em um site nacional de música pesada há alguns anos). Particularmente acho que Iommi perdeu muito tempo deixando de compor e gravar com Dio, e o próprio Butler admitiu recentemente em entrevista divulgada pelo mesmo site nacional de música pesada que se a reunião fosse com Ozzy o ritmo teria sido muito mais lento, e poucas músicas teriam sido compostas. Sou adepto do entendimento de que as bandas importantes devem lançar discos regularmente e no caso do Black Sabbath isso fica mais fácil com Dio nos vocais (embora admita que algum outro vocalista como Tony Martin seria uma boa também).

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Interpretação constitucional – a questão das medidas provisórias e o trancamento de pauta

Interpretação constitucional é um dos meus temas preferidos e nas últimas semanas noticiou-se um exemplo notável de mudança da norma sem alteração do texto. Mais especificamente, trata-se da interpretação preconizada por Michel Temer, presidente da Câmara dos Deputados e conhecido constitucionalista e constituinte, do art. 62, § 6.º da CF/88, com a redação dada pela EC 32/2001.

Sabe-se que norma não é o mesmo que texto legal; além disso, é comum dizer-se que o característico das ciências do espírito – dentre as quais o direito – é a aptidão para a releitura e para a formação de novas convicções sobre os mesmos textos.

No caso, jamais houve qualquer dúvida a respeito do art. 62, § 6.º da CF/88, segundo o qual “se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando”. Esse é o chamado trancamento da pauta: não apreciada em até 45 dias a partir da sua publicação, a medida provisória entra em regime de urgência, e isso significa que até que se ultime a sua votação, ficam sobrestadas todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.

Tendo em vista a edição contumaz de medidas provisórias, o trancamento de pauta é muito comum, e há uma grande queixa dos congressistas em relação a esse obstáculo ao regular andamento dos trabalhos legislativos, causada pelo exercício – para alguns ilegítimo ou indevido ou exagerado – do poder ou faculdade do Presidente da República de editar medidas provisórias.

Noticiou-se, então, que Michel Temer defendeu uma nova interpretação do art. 62, § 6.º da CF/88: a oração “todas as demais deliberações legislativas” deveria ser entendida como deliberações a respeito de proposições legislativas aptas a serem veiculadas por medida provisória. Em outras palavras, ficariam sobrestadas as deliberações sobre projetos de lei ordinária; por outro lado, não ficariam sobrestadas as deliberações sobre emendas constitucionais, leis complementares, resoluções e tudo quanto não pudesse ser objeto de medidas provisórias (inclusive as matérias previstas no art. 62, § 1.º da CF/88), e nem fica trancada a pauta das deliberações extraordinárias (art. 57, § 6.º da CF/88 – apesar do art. 57, § 8.º da CF/88).

Não demorou e alguns congressistas ingressaram com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal para impugnar essa interpretação dada por Michel Temer. O processo ficou sob a relatoria do Min. Celso de Mello e o site do STF divulgou o inteiro teor da decisão liminar.

A impetração de mandado de segurança por parlamentares para impugnação de ato praticado em sede de processo legislativo é admitida por conhecida jurisprudência do STF, segundo a qual seria direito público subjetivo do parlamentar a participação em processo legislativo que siga as normas constitucionais, ou dito de outro modo, direito a não participar de processo legislativo que viole normas constitucionais. Assim, os parlamentares têm legitimidade ativa para a impetração do mandado de segurança nessas hipóteses.

Superada essa questão, surge outra, preliminar ainda, que diz respeito a saber se a controvérsia é meramente interna corporis ou não, sabendo-se que o STF rejeita a intromissão em discussões internas da casa legislativa, como atos regimentais. O Min. Celso de Mello enfatizou que a questão seria uma verdadeira controvérsia (ou litígio, como disse o Min.) constitucional – afinal, trata-se da interpretação de um dispositivo da Constituição – ficando, de um lado o Presidente da Câmara dos Deputados, e de outro, um grupo de parlamentares. Em apertada síntese, em sede de jurisdição constitucional – e no âmbito de um Estado Democrático de Direito - não haveria que se falar em intromissão indevida do Judiciário na tarefa constitucionalmente atribuída ao Legislativo, pois é próprio da jurisdição constitucional a “contenção de eventuais excessos, abusos ou omissões alegadamente transgressoras do texto da Constituição da República, não importando a condição institucional que ostente o órgão estatal – por mais elevada que seja sua posição na estrutura institucional do Estado – de que emanem tais condutas”.

Então, os parlamentares têm legitimidade para impetrar mandado de segurança com a finalidade de impugnar interpretação conferida pelo Presidente da Câmara dos Deputados a um texto da Constituição; além disso, em sendo identificada um litígio constitucional, o STF tem competência para conhecer e julgar a causa.

No mérito, o Min. Celso de Mello prestigiou a orientação de Michel Temer, que seria consentânea com a divisão constitucional de funções (ou poderes), tendo em vista a tendência dos Presidentes da República de editarem medidas provisórias de forma desmedida (“a crescente apropriação institucional do poder de legislar, por parte dos sucessivos Presidentes da República, tem causado profundas distorções que se projetam no plano das relações políticas entre os Poderes Executivo e Legislativo”; “o exercício compulsivo da competência extraordinária de editar medida provisória culminou por introduzir, no processo institucional brasileiro, verdadeiro cesarismo governamental em matéria legislativa, provocando graves distorções no modelo político e gerando sérias disfunções comprometedoras da integridade do princípio constitucional da separação de poderes”).

A cobertura da imprensa geralmente fica centrada nos desvios praticados pelas casas legislativas – recentemente se fala nos excessivos e injustificados gastos do Senado Federal – e na sua atividade fiscalizatória no âmbito das CPIs. Some-se a isso, no meu caso e provavelmente no caso de muitos, à deficiência no acompanhamento dos trabalhos legislativo. Então não consigo aferir o quanto que o trancamento de pauta por uma medida provisória prejudica o andamento dos trabalhos legislativos, embora admita que teoricamente é fácil de ver uma certa perturbação na separação das funções estatais, e é certo que há muitos doutrinadores apontando e criticando o exercício exagerado do poder de editar medidas provisórias e a consequente perda de autoridade da casa legislativa na programação e conclusão dos trabalhos legislativos.

Se existe risco de “exegeses que estabeleçam a preponderância institucional de um dos Poderes do Estado sobre os demais, notadamente se, de tal interpretação, puder resultar o comprometimento (ou, até mesmo, a esterilização) do normal exercício, pelos órgãos da soberania nacional, das funções típicas que lhes foram outorgadas”, então é bom e é imperioso concluir que “a Lei Fundamental há de ser interpretada de modo compatível com o postulado da separação de poderes”.

Diante disso, “ao menos em juízo de sumária cognição”, o Min. Celso de Mello teve por descaracterizada “a plausibilidade jurídica da pretensão mandamental” dos parlamentares que se insurgiram contra a interpretação de Michel Temer.

Conforme consta do relatório da decisão do Min. Celso de Mello, segundo as palavras do próprio Michel Temer, a famigerada interpretação consiste numa interpretação sistêmica do seguinte tipo: num Estado Democrático de Direito, no qual os poderes estatais são de igual equivalência, e as funções estatais são distribuídas constitucionalmente, a tarefa de legislar incumbe precipuamente ao Poder Legislativo e a edição de medidas provisórias pelo Presidente da República se caracteriza como uma exceção, e como tal deve ser tomada – a consequência disso é que a exceção deve ser interpretada restritivamente. Partindo, então, da vedação da utilização de medidas provisórias para tratar de matérias próprias de emenda constitucional (art. 60 da CF/88), de lei complementar (art. 62, § 1.º, III da CF/88), de decreto legislativo (art. 49 da CF/88), de resolução sobre o Regimento Interno da Câmara ou Senado (art. 51 e art. 52 da CF/88), e das matérias vedadas expressamente pelo art. 62, § 1.º da CF/88, concluiu-se que o regime de urgência ao qual se submete a medida provisória não apreciada em até 45 dias só causa o sobrestamento das deliberações legislativas que, em relação à forma ou à matéria, poderiam ser veiculadas em medida provisória. Em outras palavras, as deliberações legislativas sobre emendas constitucionais, leis complementares, resoluções, decretos legislativos e projetos de leis sobre matérias referidas no art. 62, § 1.º da CF/88 não têm sua tramitação sobrestada por medida provisória em regime de urgência.

Isso só reforça a minha convicção de que, apesar de ser importante saber o texto da lei, é mais importante conhecer o que se entende do texto da lei (a norma), pois nesse caso se viu que “todas as demais deliberações legislativas” não quer significar, efetivamente, “todas as demais deliberações legislativas”, pois “algumas” não ficam sobrestadas pelo regime de urgência da medida provisória.

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