Depois da boa experiência de ler a autobiografia do Eric Clapton, seguindo oportuna recomendação do Marcelo, tão logo soube do lançamento do livro do Slash me programei para obedecer ao mesmo ritual: aquisição durante os descontos da Feira do Livro e leitura na praia, no feriado de Ano Novo (rendeu bastante com a chuvarada). Estava com expectativa de que seria um bom livro, e que teria algumas partes chocantes, notadamente pela chamada que dava conta de que até David Bowie havia se impressionado com os períodos mais altos (alto querendo significar "high", na gíria, em inglês) do guitarrista.
As mais de 400 páginas são dedicadas a toda a vida do cara, desde as mais remotas lembranças, até o lançamento do segundo disco do Velvet Revolver em 2007. Particularmente fiquei satisfeito com a descrição da reunião da formação clássica do Guns´n´Roses, e mais ainda com as partes nas quais Slash comenta como algumas músicas foram compostas (tipo, "fiz umas jams com Izzy e Duff e saíram as músicas tal e tal", além da versão definitiva para a criação de "Sweet Child O´Mine". Vale observar, no entanto, que a palavra "jam" jamais é utilizada na tradução do livro - acho que o cara preferiu "improviso" e, por outro lado, não há qualquer referência ao Black Sabbath como influência de Slash, sabendo-se como se sabe da semelhança do riff de um dos maiores clássicos do Guns com o riff de uma música obscura do Sabbath sem Ozzy), a rotina nos estúdios de gravação dos discos "Appetite for Destruction" (mais concentrada, com todos os caras motivados, tocando e compondo juntos) e "Use Your Illusion" I e II (muita dispersão, sem a presença de Izzy e principalmente Axl em boa parte das sessões de gravação e mixagem). Basicamente é esse o tipo de informação que busco em livros desse tipo. Outra das histórias que já tinha lido há muito e que é confirmada no livro é a vez em que ele, então adolescente e longe da fama, deixou de se entreter com uma mulher na qual ele estava muito interessado a partir do momento em que ela botou para tocar o disco "Rocks" do Aerosmith - banda que passou a adotar como influência principal. Outra influência bastante enfatizada no início do livro é da banda Hanoi Rocks, inclusive em relação ao vocal - vou checar isso mais além.
Entretanto, o que para mim ainda não restou esclarecido é o tanto de verdade do que se dizia na época em que o Guns era a maior banda do mundo: de que Izzy Stradlin não se conformava em ser guitarra base, pois alegadamente seria mais talentoso que Slash para ser guitarra solo, e que esse seria um dos motivos para a sua saída da banda. No livro sempre fica bastante definido o papel de Izzi como guitarrista "complementar" do estilo de Slash - secundário, portanto. Assim, ainda resisto em admitir que Slash era mais guitarrista que Izzy, e a minha resistência é, a essas alturas, alimentada apenas pela predominância de Izzy nos créditos dos dois "Use Your Illusion", em comparação com Slash - e talvez pelo fato de que Izzy compôs a minha música favorita da banda, "You Could Be Mine" (já evolui para reconhecer que Slash faz alguns solos muito bons, rápidos e inspirados com as pentatônicas - gostei de ler um excerto de uma entrevista dele num site no qual admite que não é um guitarrista com a técnica de Satriani ou Vai).
A cronologia, por vezes, não é muito fácil de seguir, pois o guitarrista e o escritor não se esforçam muito para situar os fatos narrados no tempo (não custaria dizer "no início de 1986", "no verão de 1988", "no final de 1991" com mais frequência). As coisas se complicam quando ele resolve refletir sobre consequências futuras de fatos que vão sendo relatados - não há uma ligação boa para o fim do comentário e a volta ao texto.
Há que se dizer, desde logo, que a tradução me pareceu boa; não tive problemas e nem identifiquei erros grosseiros na tradução de expressões - aliás, a tradução deve ter sido uma barbada, pois foi bem fácil identificar a utilização de frases padrão tipo "all things considered", e "next thing I know", por exemplo.
Assim como o fora no livro do Eric Clapton, as partes dedicadas aos episódios com drogas são longas e enfadonhas; realmente é preciso paciência para superar um monte de páginas para saber que o cara esteve drogado em parte significativa da sua carreira desde meados dos anos 1980.
Talvez o grande mérito do livro seja o esclarecimento de como o Guns ficou inativo por tanto tempo, e a razão da saída de Slash. Ainda me espanto com a falta de pressão da gravadora para a banda lançar discos com mais regularidade, e com a própria falta de motivação dos caras para gravar logo discos com músicas inéditas (no livro não há referência se a banda desfrutava de alguma espécie de liberdade criativa ou de uma maior autonomia livre de pressões para compor e gravar álbuns e sair em turnê). Slash faz questão de enfatizar que apresenta apenas a sua versão, e que sabe que Axl tem a dele e admite que esta é tão válida quanto a dele. Gostaria, então, de saber a versão de Axl para os atrasos nas apresentações e nas gravações, bem como outros comportamentos em relação à banda. E também seria bom para confrontar certas posturas que Slash disse ter adotado: tipo, o guitarrista diz que queria saber era de tocar, e não ligava muito para questões de direitos autorais, e também que deixou passar muitas coisas que lhe incomodaram para não tumultuar o ambiente. Sei e entendo tudo isso que o cara quis dizer, mas é possível cogitar que o cara não seja tão "low profile" ou "easy going" quanto propaga - as coisas não são tão simples quando se trata de um fenômeno do rock dos anos 1990.
Particularmente, o outro mérito do livro também foi o de cumprir com outra expectativa que sempre tenho ao ler livros de música: reacendeu a vontade de ouvir discos do Guns´n´Roses (os clássicos e o novo) e do Velvet Revolver.
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