terça-feira, 18 de março de 2008

Livro - A Love Supreme

Parece-me que vem bem a calhar um livro dedicado a um clássico do jazz (funcionando como uma espécie de manual para audição) para um não iniciado no assunto como eu. Isso porque tenho a maior dificuldade de ouvir um som como o jazz, especialmente o que se produziu nos anos 1950 e 1960, no qual os instrumentos de sopro são os dominantes, e não há – em regra - espaço para guitarras (menos ainda para guitarras com distorção...). Afinal, onde estão os "riffs", os "versos" ou o "refrão"? Não raro parece uma longa sessão de solos sobre uma base contínua.

Desde sempre ouvi falar muito bem de jazzistas como John Coltrane e Miles Davis: li entrevistas com Santana e Kirk Hammett, nas quais se descrevem como os respectivos solos são de certa forma influenciados por esses saxofonistas e trompetistas. Tentei mesmo ouvir alguma coisa, mas o mais perto que cheguei do jazz foi a partir da experiência que tive com a Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin: só que aí se trata de fusion (ou jazz fusion), remotamente vinculado ao jazz de Coltrane.

Numa revista de grande circulação nacional li a respeito do lançamento de um livro sobre “Kind of Blue”, um dos clássicos de Miles Davis. Li algumas páginas e, por razões exógenas, encostei o livro na estante. Mais recentemente, outro livro do mesmo autor (Ashley Kahn) foi lançado, desta vez sobre “A Love Supreme”, obra-prima de John Coltrane. Terminei de ler os dois livros no mês passado, o segundo antes do primeiro.

“A Love Supreme”, o livro, é mais abrangente que “Kind of Blue”, pois funciona quase como uma biografia de Coltrane – há espaço para a infância do músico, o seu desenvolvimento, apogeu e falecimento. Além disso, tudo (?!) é motivo para destaque, como o estúdio em que foi gravado o disco, o produtor, o executivo da gravadora, etc. Há muitas referências a depoimentos de instrumentistas que vivenciaram a época (na parte final essa leitura se torna cansativa). Mas a melhor parte é a descrição das sessões de gravação das faixas. A tarefa do escritor restou facilitada pelo fato de que não foram utilizadas muitas fitas para gravação do disco, havendo pouco mais do que os takes que foram utilizados no álbum para os comentários.

Mesmo assim, esse recurso de abrir um capítulo para comentar todos os takes das composições se mostrou muito proveitoso. No livro não há economia de referências à espiritualidade de Coltrane e do disco; o mais relevante, parece-me, foi o que se disse a respeito da prática constante (o cara estava sempre aprendendo novas escalas e se exercitando – musicalmente - o tempo todo) e de como essa espiritualidade influenciou a composição das músicas. Se as palavras do autor estiverem corretas, é lícito concluir que o tenorista se encontrava no apogeu criativo e não se poderia esperar outra coisa que não uma obra-prima. Uma passagem bastante expressiva é a que reproduz uma declaração de Coltrane, na qual se disse que o cara podia reconhecer, de ouvido, um acorde de sol menor com sétima (pg. 191 - "Jamais pensei se eles entendem ou não o que toco... não precisa ser entendido. Afinal, eu mesmo adorava música muito antes de poder identificar um acorde de sol menor com sétima") – é triste admitir que essa habilidade (de identificar o acorde), definitivamente, eu não possuo.

O autor se ocupa, ainda, da fase posterior ao lançamento do disco, e aí aparece um daqueles fatos que aprecio muito saber, que é o de que poucas vezes as músicas do disco foram executadas ao vivo. Aí reside um certo mistério, o de saber por que razão esse disco tão clássico (resultado de um ápice criativo do tenorista) não foi executado regularmente nas suas apresentações ao vivo. Eventualmente o cara veio a falecer, e aí todo o tipo de suposição pode ser feita (tipo, que o cara se dedicou a lançar um álbum com composições imortais, sabendo que ele próprio estava com grave doença). É mais ou menos o mesmo tipo de curiosidade que me desperta a respeito de um álbum do Kiss (o “Creatures of the Night”, um dos meus favoritos), que teve pouca resposta do público na época, não contou com a participação de Ace Frehley nas gravações (um dos melhores exercícios é o de tentar adivinhar os guitarristas que registraram os solos de guitarra), mas tem o melhor som de bateria num disco de rock e conta com alguns dos maiores clássicos da banda (a faixa-título, “I Love it Loud”, “War Machine”, “I Still Love You”).

Ainda não encontrei o disco com preço adequado, de maneira que a audição ainda resta prejudicada e restrita a eventuais mp3 (o início de “Aknowledgment” parece corresponder a tudo o que foi dito de bom pelo autor). Situação diversa se deu com “Kind of Blue”, ao qual dedicarei o próximo tópico.

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