Evidentemente que no papel a ideia parecia boa (seria tudo o que queríamos ouvir), mas por ironia “Train of Thought” não foi o tipo de disco que esperava dos caras, mais ou menos como se eles tivessem “errado a mão” no peso. A justificativa para o lançamento de um disco nessas condições – é muito mais prog do que metal e lembra pouco o passado da banda – foi justamente a excitação com os shows ao lado de bandas de heavy metal e com a execução integral de discos conhecidos, inspirando a banda para compor um álbum orientado para as músicas com formato mais tradicional, em detrimento de faixas mais complexas e criativas de “Images and Words” (“Learning to Live”), “Awake” (“Voices”, “Scarred”) e “Falling Into Infinity” (“Lines in the Sand”, “Trial of Tears”). Evidentemente que nem todos pensam assim, e provavelmente muitas pessoas gostam de “Train of Thought”. Mas o que me faz realmente gostar muito pouco desse disco é o fato de que aqui os caras parecem ter abandonado definitivamente a ideia de compor músicas sem precedentes: de fato, não demora muito durante a audição para perceber a predominância de riffs simples e repetitivos - assim entendidos aqueles em relação aos quais se pode dizer que não precisa ser um John Petrucci para compô-los -, bem como estruturas comuns e conhecidas de verso/ponte/refrão. Os exemplos abundam: “As I Am” (riff curto e redundante nas mesmas posições de “Enter Sandman” do Metallica), “This Dying Soul” (riff principal que me lembra “Soul of a Vagabond” do Stratovarius), “Endless Sacrifice” (dedilhado e estrutura tradicionais, desde “Children of the Damned” do Iron Maiden até “Give In To Me” do Michael Jackson, passando por “Handful of Rain” do Savatage), “This Dying Soul” (a ninguém escapou que há uma parte na qual tanto o vocal como as guitarras e bateria lembram “Blackened” do Metallica), “Stream of Consciousness” (tentativa de fazer uma faixa instrumental ao estilo “Orion” do Metallica). É muito fácil encontrar referências óbvias de bandas e músicas nessas faixas (o Dream Theater parece não ter se esforçado mesmo em escondê-las), tanto que a tarefa de relacioná-las acaba se tornando enfadonha.
Nessas condições, as partes legais do disco acabam se resumindo a algumas passagens como (a) uma levada diferente de bateria durante um verso em “As I Am” (às vezes Portnoy dá uma quebrada a certa altura, dando a impressão de que a música “tropeça”, ou que algo deu errado – o mesmo recurso é utilizado, de certa maneira, em “Lines in the Sand”, do “Falling Into Infinity”); (b) o riff nu-metal reprisado de “The Glass Prison” em “This Dying Soul”, e o riff que vem logo depois, com várias notas; (c) “Vacant” (uma vinheta curta com letra de LaBrie); (d) os riffs pesados, levadas de bateria e partes de teclado (raro momento de destaque de Rudess) de “Honor Thy Father”
Embora isso não signifique necessariamente boa coisa, John Petrucci se sobressai o tempo todo (afinal, é um disco de heavy metal...) e o cara resolveu de uma vez por todas soltar todos os solos fritados que bem quis (e isso necessariamente não é boa coisa). O papel de Jordan Rudess, por sua vez, ficou menor que secundário – na maior parte do tempo quase não se ouve o teclado – o que é bem frustrante. O único que se dá bem é Mike Portnoy, pois a única referência que ficou legal foi a menção à introdução de bateria de Mikkey Dee em “Welcome Home” do King Diamond na introdução de “Honor Thy Father”.
Como um disco de heavy metal é bom, mas como um disco do Dream Theater é falho, pois é o único disco da banda que contém músicas nas quais podemos antecipar todo o andamento e sucessão de partes logos nos primeiros 30 segundos de audição, independentemente do tamanho das faixas (“depois desse riff, vêm os versos, a ponte...”). Na época do lançamento de “Train of Thought” já estava no meu primeiro emprego e não tinha ouvido previamente o disco antes de adquiri-lo, provavelmente na Saraiva. Tentei fazer uma resenha compreensiva, mas não tive tempo nem para escrever, nem para ouvir mais vezes o disco para me desincumbir dessa tarefa. De qualquer maneira, escrevi alguma coisa, conforme segue:
01.12.2003 - O novo cd do Dream Theater: "Train of Thoughts"
- tenho ouvido desde sábado, portanto, ainda é um pouco cedo para opiniões conclusivas. Entretanto, algumas considerações já podem ser feitas:1) Trata-se, mesmo, de um disco de metal. Do prog metal que fez essa banda famosa há muito pouco. É uma sucessão desavergonhada de riffs de guitarra, acompanhados de bateria vigorosa.
2) O teclado de Ruddess segue a tendência do 6 Degrees (Glass Prison, principalmente), que é de total discrição na mixagem; mesmo nas partes em que deveria "dobrar" a guitarra, esta sobressai. Cada vez mais evidente que não há mais espaço para teclados nessa banda. É fácil imaginar onde e o que os antigos tecladistas da banda fariam para colorir riffs e passagens das músicas, acrescentando melodias e tudo mais - o que sempre foi sua marca registrada, e o que realmente fazia do Dream Theater uma banda de exceção: interação teclado/guitarra, com a bateria altamente técnica, e vocal emotivo.
3) A banda parece ter abandonado as influências Rush e prog anos 70, em favor do peso, estlio Metallica, Slayer, Sepultura, new metal em geral (Slipknot, Korn, SOAD). Por certo que isso serve pra ordinarizar a banda, tornando-a mais uma integrante da cena metal. Em que pese tudo isso, no meu caso particular, já que tenho "formação" metal, conclui que vou ouvir esse Train of Thoughts muito mais do que ouvi o Scenes from a Memory e o 6 Degrees (quem sabe até o Falling into Infinity). Não é exatamente o disco que eu gostaria de ouvir da banda (os referidos também não, mas pelo menos tinham uma "cara" de Dream Theater, facilmente identificável, de uma maneira ou de outra).
Outros comentários ainda serão alinhavados.
19.12.2003 - Dream Theater - Train of Thoughts: pinceladas I (As I Am)
A primeira música (As I Am) já sugere a tônica do disco - riffs retões, repetidos aos pares, de 2 ou 4 compassos, bem no estilo do metal tradicional. E, seguindo essa tendência, não há muito como inovar - as referências surgem facilmente durante a audição.Em se tratando de Dream Theater, isso pra mim é lamentável, pois a banda justamente se diferenciava por criar verdadeiras seções musicais - em retrospecto, vemos que são raras as músicas que giram em torno de um riff em especial, ou que tenha um riff retão (geralmente o riff parecia retão, mas em seguida Petrucci tratava de seguir para outros caminhos, ao invés de repetir até a parte seguinte). Lembro de Pull me Under - no começo tem aquele riff pesadão, que vai se transformando até chegar à parte cantada. Nesse retrospecto, falando de riffs retões, e tirando o primeiro disco, só lembro de Lie, Caught in a Web e Burning My Soul.
Outra característica desse disco, que o distancia dos demais, é a quantidade de solos de Petrucci por metro quadrado. Sempre respeitei muito essa atitude do Petrucci, de solar em poucas músicas (eu realmente não lembro de muitas em que tenha solo de guitar - Another Day, Lie, Voices, Silent Man), sendo que a maioria ou tinha solo de teclado (e Kevin Moore costumava solar bem melhor que o guitarrista - 6:00; além do Derek Sherinian - Burning My Soul), ou resumia-se àqueles duetos fantásticos guitarra/teclado (Metropolis pt. I, Just Let Me Breath, New Millenium). Enfim, o cara resolveu descontar tudo de uma vez, mas acho que se quebrou.
As I Am não tem quase vestígios de teclado. Nessa música, o vocal ficou legal, diferenciando bastante do tom mais contido que o James Labrie vem adotando desde Falling into Infinity, em respeito ao seu alcance limitado nos shows.
Na parte do solo de guitar, a música aparentemente pára - baixo e teclado tocam um riff como base, emendando depois com o riff principal. Não há uma guitarra base. Essa característica é totalmente do Pantera (que só tem um guitar e um baixista), onde na parte dos solos fica um vazio, que batera e baixo não conseguem preencher. Cumpre notar que em A Change of Seasons, no solo de guitar a base também é com baixo/teclado, e não tem vazio nenhum, mesmo nas apresentações ao vivo. O solo, propriamente, é dos mais jacuzzi (depois vêm me dizer que o Malmsteen é que é o cdt...), mas aquela corrida no final salva a pátria.
A parte que eu mais me abri é no segundo verso, onde o Portnoy faz umas quebradas , dando aquela impressão desconfortável (e muito legal) de que o cara tá errando a levada. É sensacional, e o Portnoy sabe fazer bem essa parte.
No final, quando a música já devia ter acabado uns 2 minutos antes, os caras bolaram aqueles feedbacks muito legais, com 2 guitars (uma em cada lado do headphone).
A música é boa, mas não impressiona. Não entra pro top 20 Dream Theater.
Da turnê de “Train of Thought” saiu em 2004 um CD triplo ao vivo e um DVD duplo contendo registros de uma apresentação no lendário Budokan, nomeado “Live at the Budokan”. Algumas versões ficaram muito boas, notadamente “Trial of Tears”, e é legal ver o resgate de “New Millenium”. Portnoy decidiu valorizar as músicas do primeiro CD da banda (“When Dream and Day Unite”), representado por uma com letra de Kevin Moore, “Only a Matter of Time”. Os documentários que acompanham o DVD são muito bons.
4 comentários:
o pior do DT. e era isso.
mas cara, tu comentou pontualmente o lance de blind faith nos comentários do outro post, mas as nossas discordâncias são bem mais amplas. aquilo foi só um exemplo meu.
por exemplo: não tenho dúvidas de que o jordan É o melhor tecladista que o DT poderia ter, mas assim como alguns cometeram a injustiça de dizer que o sherinian afundou a banda no FII, hoje se comete a injustiça de dizer que o jordan não é tudo isso, sem levar em consideração que a dobradinha que lidera a banda é portnoy/petrucci, ou seja, batera/guitarra. não foi só o teclado que sumiu aos poucos: onde anda o baixo do sr. myung, que era responsável por boa parte dos riffs monumentais da banda (parte C de strange déjà vu, por exemplo, naquele riff rockzão).
é só questão de pegar os LTE. o jordan destrói em todos, usando uma variedade de timbres que nem sherinian nem moore foram capazes de usar (aliás, nos 2 primeiros discos, o moore era razoavelmente óbvio na escolha dos timbres, mesmo que eu considere o trabalho do IAW de absoluta qualidade). e mesmo o solo do sherinian no OIALT, que tu gosta tanto, eu curto, mas acho médio. toma um pau se comparado, por exemplo, ao erudito progressivo do solo de piano de blind faith, altamente técnico porém ainda sim 100% emotivo e 100% encaixado na música.
entre outras!
realmente, cadê o myung? faço um baita esforço para incluir o nome do cara nas resenhas.
e eu gosto pra caralho da expressão "por exemplo".
não costumo escrever "por exemplo" por extenso. tento variar: p. ex., v.g., e.g., e hoje aprendi p. e..
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