É uma tarefa espinhosa a de dizer qual o melhor disco do Yes, ou, pelo menos, qual o mais representativo. Desde sempre tive a inclinação para definir, nessas condições, o “Fragile”, por ter sido o primeiro com o Rick Wakeman e o que de fato mostrou o que é o som do Yes e do que a banda é capaz de fazer; só que o mesmo se pode dizer de “Close to the Edge”, lançado um ano depois, e que foi o último com Bill Bruford, e contou com músicas completamente diferentes do disco anterior. Assim, parece-me defensável considerar os dois álbuns como os melhores e mais representativos do Yes, e nesse sentido serão tratados aqui.
Creio já ter contado como tomei contato com “Fragile”, mas posso dizer, em apertada síntese, que desde pequeno sempre ouvi dos meus pais muitos elogios ao som do Rick Wakeman (que esteve em Porto Alegre na época da turnê de lançamento do seu disco solo “Journey to the Centre of the Earth”); além disso, um guia de cds que eu consegui no começo de 1992 fazia uma resenha destacada – conquanto jocosa – de “Fragile”. Assim, quando vi nas Americanas para venda, em meados dos anos 1990, por um preço bastante convidativo (tipo doze reais), resolvi levar para casa. Entretanto, o disco ficou parado na minha estante por um bom tempo, e quando o Yes se apresentou no Opinião em 1997/98 (?) para a turnê de “Open Your Eyes”, resolvi não atender ao show, pois não era uma das minhas bandas favoritas (hoje é um dos shows, junto com Rainbow em 1996 e Rush em 2002 que me arrependo de ter perdido).
Em 1998 já conhecia o Bruce e já estava na Burnin´ Boat, e naquela época um dos eventos legais eram os almoços na cada de uma amiga dele, que se tornou amiga de todos, a Carol, nos quais, entre outras coisas, ouvíamos discos e trocávamos idéias sobre bandas. Já conhecíamos e éramos fãs de Dream Theater, de modo que tínhamos certo gosto por rock progressivo (ou pelo menos um ouvido mais treinado). Uma noite qualquer resolvi dar uma ouvida no “Fragile” e me espantei com o som que aqueles caras faziam no começo dos anos 1970. Os músicos demonstravam muita técnica e virtuosismo, e as músicas eram fortes. Levei o cd para ouvir num desses almoços e a partir de então viramos fãs de Yes.
“Fragile” consiste em 4 composições de banda (isto é, na qual todos tocam) e 5 músicas solo (isto é, na qual cada integrante mostra sua habilidade com o respectivo instrumento). As melhores são as primeiras, todas elas marcantes e inovadoras em certo sentido.
O disco abre com “Roundabout” que se tornou um grande hit, e o carro-chefe dessa fase da banda. Nessa música os caras colocam muitas coisas novas em pouco mais de 8 minutos. Solos e duetos de guitarra e teclados, harmonizações vocais, trechos acústicos, um baixo muito marcante nos versos, além da melodia. Acho que essa música define bem o tipo de música que o Yes desenvolve. E se trata de uma música perfeita: tem de tudo (que caracteriza o Yes) e não há o que não gostar nela (a não ser, talvez, a parte "da-ra-da-da-daaaa-da-da".
Em "South Side of the Sky", os vocais e os demais instrumentos entram simultaneamente. A levada dos versos é muito legal, bem fluida, como o Yes costuma(va) fazer. Howe parece solar o tempo todo, e é por isso que se pode dizer que cada músico toca um tema diferente ao mesmo tempo (baixo, teclado, bateria e guitarra, além dos vocais, tocam partes diferentes, mas complementares). Lá pelas tantas, a música dá uma aquietada no piano (um tema que se repete várias vezes, cada vez uma oitava acima), e vem umas harmonizações vocais ("láaaa-láaaa-lá-lá-lá-hey"), acompanhadas de uma linha de bateria trabalhosa. Então a música repete o início e aí temos uma faixa de 8min.
“Long Distance Runaround” começa com um tema harmonizado de Howe e Wakeman, que me parece bem complicado (arpejos e tal). O destaque, no entanto, é uma levada de bateria, nos versos, bem complexa de B. Bruford (e que não tem nada a ver com as partes de guitarra, teclado e baixo - sensacional). Sempre gosto de ouvir quando um instrumentista consegue compor algo marcante desse tipo, ou, em outras palavras, quando o cara demonstra genialidade (para mim a genialidade de alguém se expressa quando nos perguntamos “como o cara conseguiu compor isso? Eu jamais teria tido essa idéia, ou jamais teria imaginado algo assim...”). A interpretação de Anderson para a letra é delicada e comovente, e fica bem até nas versões ao vivo só com voz e violão (sem o acompanhamento virtuoso dos demais instrumentistas).
"Heart of the Sunrise" me parece ser a favorita dos seguidores do prog-metal, pois começa com uma parte bem pesada na qual todos os instrumentos tocam simultaneamente as mesmas notas. Segue-se uma calmaria, com um Mellotron afu e uma levada de bateria bem lenta e complicada (Bruford improvisando - esse cara é f.). É a faixa mais longa do disco (10min). Depois da famosa parte instrumental, o clima fica calmo e entram, finalmente, os vocais: parece outra música.
Das composições solo, a melhor – disparado – é “Mood for a Day”, um tema acústico de S. Howe perfeito, executado num violão com cordas de nylon. Não por acaso, essa é a única música da banda, digamos assim, que consigo tocar (bem ou mal) do início ao fim. Todo guitarrista de rock progressivo tem que ter uma música executada exclusivamente no violão, e essa “Mood for a Day” é a música-tipo de Howe (embora o cara tenha composto uma outra no “The Yes Álbum” chamada “Clap”, muito boa também, mas não tão brilhante).
Poder-se-ia indagar o que um vocalista faria numa música solo; bem, J. Anderson compôs “We Have Heaven” na qual canta repetidamente uns 2 ou 3 versos acompanhados de uns acordes no violão. As outras composições solo também são um tanto gratuitas, e a decisão de fazer um disco dessa forma talvez demonstre o quanto os caras se achavam bons músicos e queriam, de certa forma, aparecer (pois do contrário, não faria sentido que cada um deles compusesse uma música própria).
Sabe-se que durante os ensaios e as gravações os músicos se entreteram com diversas discussões a respeito de cada uma das faixas, e o B. Bruford, em entrevistas, dizia que as controvérsias duravam longas horas e chegavam a minúcias como se em determinado momento deveria ser tocado B ou B#. Essa problemática, alegadamente, foi o que motivou a saída do baterista após a gravação do disco seguinte, “Close to the Edge”.
Seja como for, "Fragile" representou: (a) a consolidação de uma formação incrível para uma banda de rock progressivo, especialmente quando se sabe o que cada um desses caras veio a fazer em carreira solo ou em outras bandas (King Crimson, Asia, Jon & Vangelis, etc.); (b) a definição de um tipo especial de rock progressivo (bem diferente de Pink Floyd, e algo diferente do Genesis), i. é, o rock progressivo com músicas longas, muitas melodias e harmonizações, alterações de andamento e de clima numa mesma faixa, instrumentalização complexa; todo esse material seria revisitado posteriormente pelas bandas rotuladas como prog-metal, sendo o Dream Theater a principal delas.
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