Mais ou menos na mesma época em que descobri o “Images and Words”, tomei contato com o “Awake” mediante locação na TV3 e gravação numa C-60 (provavelmente exclui “Space-Dye Vest” para caber na fita). No caso de “Awake” levei mais tempo para absorver a música do Dream Theater: o disco é longo (mais de 74 min) e as músicas de modo geral são compridas, de maneira que foi só quando no verão de 1996, em Torres, que ouvi com atenção o riff inicial de “The Mirror”, e então dei mais atenção e curti melhor as demais faixas. Em 1996 ainda estava longe de serem lançados no Brasil os discos do Dream Theater, e assim a versão que tenho é importada e adquirida na CD Express que ficava na Av. Independência.
“Awake”, de 1994, é um disco completamente diferente de “Images and Words” e marcou o fim de uma era do Dream Theater. O disco é pesado, sem hits nem canditados a hit, detalhadamente produzido, e - o mais decisivo - o último com Kevin Moore nos teclados. Aparentemente o cara estava insatisfeito com o som que a banda vinha fazendo e o ritmo das turnês e resolveu cair fora quase na mesma época do lançamento do disco, optando por uma carreira solo errante cujo maior êxito foi o projeto OSI (Office of Strategic Influence), capitaneado por Moore e Jim Matheos do Fates Warning (e que contou com Mike Portnoy na bateria pelos primeiros dois discos). Essa época turbulenta parece ficar evidente na letra de músicas como “6:00” (que abre o disco) e no clima de “Space-Dye Vest” (que fecha o disco), ambas de autoria do próprio Moore. Curiosamente, muitos dos melhores timbres de teclado registrados em estúdio pelo Dream Theater estão em “Awake” (“6:00”, “Caught in a Web”, “The Mirror”). Fato é que para a posição de tecladista foram promovidos testes com diversos candidatos, e o que se conta é que Jordan Rudess não quis ou não pôde assumir o posto à época, e então foi recrutado Derek Sherinian, já conhecido por sua participação no “Alive III” do Kiss (só recentemente foi revelado que sua participação se resumia à reproduzir nos teclados, com um timbre apropriado, a guitarra base de Paul Stanley, suprindo os vazios enquanto este pulava, cantava e dançava – e não tocava guitarra - no palco), além das turnês e discos de estúdio com Alice Cooper (conta-se que Sherinian tirou de ouvido toda a discografia do vocalista para a sua audição, e que Cooper chamou-o de “um verdadeiro rock star”, no bom sentido de certo, e o próprio tecladista afirmou que queria ser um "Gene Simmons do prog rock"). Sherinian foi admitido provisoriamente, para a turnê de “Awake” (de onde saiu um vídeo com uma apresentação em Tóquio, que foi o primeiro que assisti da banda em 1997 ou algo assim – nunca esqueço da desafinada forte de LaBrie em “6:00”: “Can´t KEEEEEP what he says (...)”), mas acabou integrando-se ao grupo definitivamente em 1995.
O disco abre de forma incomum com um rolo e uma levada de bateria de Portnoy: “6:00” tem letra de Moore e aparentemente trata de alguém enfastiado com a rotina diária de pequenos afazeres. LaBrie inaugura um novo estilo de vocal, mais agressivo, combinando com o clima sombrio que predomina em “Awake” (durante a turnê subsequente, no entanto, LaBrie sofreu ruptura das cordas vocais após um episódio de intoxicação alimentar, e a falta de pausa para um adequado tratamento prejudicou a performance do vocalista pelos anos que vieram; esse fato é perceptível já no disco seguinte – “Falling Into Infinity” – onde predominam registros mais baixos). Seguindo o padrão de “Images and Words”, o solo (muito legal, com belo timbre) da faixa é de teclado – e não de guitarra – e lembro de como achava legal uma banda na qual o guitarrista era tão bom mas ao mesmo tempo não se incumbia de tocar todos os solos de todas as músicas. De fato, durante muitos anos sequer sabia quais faixas tinham solos de guitarra, pois muitos deles são tão bem encaixados que parecem partes integrantes das músicas (quando não são apenas duetos com teclado/baixo). Não por acaso (e essa foi uma convicção que cultivei por bastante tempo) não conseguia dizer, entre Eddie Van Halen, Joe Satriani e John Petrucci, qual era o melhor guitarrista (entendido melhor como mais completo, com som mais característico e de difícil ou impossível imitação; hoje em dia já descartei Satriani e Petrucci, pois ambos, a essa altura de suas carreiras, parecem já ter demonstrado todo o seu conhecimento e estão apenas se repetindo nos seus respectivos lançamentos mais recentes). Com a saída de Moore, e de forma mais proeminente após a saída de Sherinian, os teclados deixaram de ocupar posição tão destacada, passando a ser secundário (ou menos) em relação à guitarra de Petrucci – o que é uma pena.
“Caught in A Web” é o primeiro registro do Dream Theater com Petrucci utilizando uma guitarra de 7 cordas, e de forma inusual para a banda os créditos para a letra são atribuídos a LaBrie e Petrucci (geralmente apenas um músico compõe uma letra). Não há maiores introduções: a música já começa com a banda inteira acompanhando o riff de guitarra, e Moore se destaca com uma melodia executada com um belo timbre de teclado. A faixa não supera muito os 5min, e encontra espaço para uma parte instrumental muito boa, com dobras de guitarra, baixo e teclado utilizando muitos cromatismos (essa parte chegou a ser exemplo de Petrucci em lição de revista de guitarra a respeito da utlização dessa técnica). A estrutura é de uma autêntica música de heavy metal, com a distinção de que na época Petrucci não compunha riffs comuns de heavy metal (o mesmo não se pode dizer a partir de “Train of Thought”). Ao vivo, durante anos, “Caught in A Web” acomodou o solo de bateria, e há ainda uma versão híbrida na qual os caras executam riffs e partes de “New Millenium” do disco “Falling Into Infinity”.
Se há alguma música ruim composta pelo Dream Theater, uma das candidatas é “Innocence Faded”. Acho detestável o início com um teminha de guitarra, mas quem tiver estômago para seguir em frente encontrará muitas partes diferentes em pouco mais de 5min, inclusive uma boa parte instrumental ao final, encerrando com um solo de Petrucci (a música se encaminha para o final no último refrão, mas volta para mais uma parte instrumental com solos de guitarra). Bem vistas as coisas, é uma música com altos e baixos, provavelmente decorrente de uma colagem imperfeita de partes diferentes compostas sem destinação específica (sabendo-se como se sabe que se há um método de composição do Dream Theater, este se baseia na reunião de riffs e partes compostos separadamente).
A melhor faixa instrumental de toda a discografia da banda é “Erotomania”, que inaugura uma espécie de suíte no meio de “Awake”. Pelo encarte do CD o único esclarecimento é que “A Man Beside Itself” é composta de “Erotomania”, “Voices” e “The Silent Man”, e todas elas apareceram desta forma no triplo ao vivo “Live Scenes From New York”. “Erotomania” serve para demonstrar, mais uma vez (mas ainda mais enfaticamente), a técnica de John Petrucci. Em pouco mais de 6min, a faixa alterna partes com cromatismos, riffs de heavy metal, dedilhados, melodias, momentos eruditos, sendo que o clímax é atingido numa parte em que Petrucci executa um padrão rápido com 6 notas por corda e com saltos, criando um efeito espetacular (para quem tem um pouco mais de treino com palhetadas e saltos de cordas, essa parte pode não ser tão difícil de reproduzir; a Burnin´ Boat abriu um show no Coruja de Minerva para a Hiléia, em 2004, e os caras executaram na íntegra e com perfeição essa música). É um instrumental matador, com todas as suas diferentes partes perfeitamente interligadas, num resultado que a banda não conseguiu repetir – pelo menos com a mesma empolgação – em oportunidades posteriores.
“Voices” é o primeiro épico do disco e é uma música muito boa, que chama a atenção pela estrutura incomum e suas diversas partes. Uma música de 9min do Dream Theater, nessa época, é certeza de muitos climas, mudanças de andamento, partes calmas e agressivas, etc. Quando entram os instrumentos até a parte cantada são executados riffs pesados com quebras muito boas. Os versos, por sua vez, são os momentos mais calmos, nos quais sobressaem a interpretação de James LaBrie, que por isso mesmo, acabou se tornando o vocalista imprescindível da banda (ninguém consegue imaginar outro vocalista para o Dream Theater – LaBrie conseguiu impor desde logo sua marca em todas as músicas dessa época, mesmo que se saiba das limitações do cara nas apresentações ao vivo). O refrão é muito legal, tanto pelos versos como pela parte de guitarra e teclado.
“The Silent Man” é uma balada excelente, com voz e violão, praticamente num estilo Mr. Big encontra Jimmy Page, composta por John Petrucci. Há vários acordes bonitos, não tão difíceis de tocar, e o refrão é marcante. O solinho de violão é curto e preciso.
É comum que após um momento calmo (como uma balada), as bandas toquem, logo na sequência, uma música bem agressiva. Pois este é o caso de “Awake”, no qual após “The Silent Man”, com seu clima de praia e “toca-aquela-do-Led-aí”, vem uma paulada na orelha com “The Mirror”. E se “Images and Words” não contou com letras de Portnoy, o mesmo não ocorreu em “Awake”. O baterista compôs a letra da música mais agressiva do disco (“The Mirror”), somando-se a John Petrucci para essa tarefa com mais força nos demais discos subsequentes (James LaBrie e John Myung contribuem em muito menor medida, e contrariamente ao caso de Portnoy, suas participações diminuem a cada disco). Os primeiros minutos de “The Mirror” – até o início dos versos – são a melhor parte, já haviam sido compostos à época de “Images and Words” e tinham o nome de “Puppies on Acid” (isso acabou aparecendo no duplo ao vivo “Once in a Livetime”). Trata-se de um riff executado com pausas na região mais grave da guitarra de 7 cordas abafadas, repetitivamente, mudando apenas a levada da bateria e os acordes tocados no teclado climático de Moore. Esse é o “Momento Lucky Strike” do disco: o teclado climático, as mudanças na levada de bateria e o riff monumental de guitarra bem repetitivo. Evidentemente que a música tem 7min e não fica por aí. Ao final já emenda com a próxima, “Lie”, outra que tem um riff pesado de guitarra de 7 cordas, só que a faixa é mais dinâmica. Acho até que as duas músicas poderiam funcionar como uma grande música de 14min, mas não é comum serem ambas executadas dessa forma nas apresentações ao vivo. “Lie” é uma das poucas músicas da época de Kevin Moore que contém um longo e característico solo de guitarra de John Petrucci, sem, no entanto, o exagero das fritadas que assolam os solos do guitarrista nos álbuns mais recentes.
Após tanto peso, “Lifting Shadows of a Dream” acalma o ânimo, sendo certo que se trata da melhor faixa composta por John Myung (admito que alguém pode debater que “Learning to Live” seria a melhor... e que “Trial of Tears” é boa de ouvir). A faixa começa com um riff de baixo executado com tappings e harmônicos naturais, formando uma bela melodia. O refrão é cantado por LaBrie com delicadeza, e a faixa ainda tem umas boas partes de guitarra limpa (com delays e tudo mais) e com distorção.
Outro épico de 11min é “Scarred”, com letra de Petrucci, e também começa com uma marcação no ride de Portnoy e uns acordes com tapping no baixo de Myung. Petrucci faz um solo introdutório, daqueles que não parecem solo e sim parte integrante da faixa, mais ou menos no estilo Steve Howe e Alex Lifeson. Gosto de toda a instrumentalização, com variações climáticas (pesado e suave) e ainda do refrão, com uma espécie de groove, destacando-se as diferentes melodias dos vocais e da guitarra. É um tipo de música – tanto quanto “Voices” e “Trial of Tears” - que a banda não faz mais (os épicos parecem mais padronizados e previsíveis a partir de “Train of Thought”).
Moore compôs sozinho “Space-Dye Vest” e, por essa razão, a música é conhecida por ser a única que a banda jamais interpretou ao vivo (Portnoy alega que se trata de uma composição muito pessoal de Moore, e que só poderia ser executada ao vivo com o tecladista no palco – o que já foi tentado diversas vezes, e sempre rejeitado por Moore; o cara já expressou que quer se desvincular do seu passado com o Dream Theater). De fato, a faixa remete ao trabalho que posteriormente foi desenvolvido por Moore em seus demais projetos.
“Awake” é um disco pesado e de não muito pacífica audição para iniciados e não iniciados, distanciando-se em certa medida de “Images and Words”, mas com certeza é um trabalho sólido e bem mais representativo da discografia da banda do que a maioria dos CDs mais recentes. Começa a ficar claro que em se tratando de Dream Theater, nenhum disco é igual ao outro e nenhuma música é igual ou parecida com outra, seja da banda, seja de outra banda, sendo certo que isso não mais pode ser dito a partir de, pelo menos, “Metropolis Pt. 2: Scenes From a Memory”.
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