quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Discografia Dream Theater - Parte V "Falling Into Infinity" (1997)

Em 1997 já conhecia perfeitamente o Dream Theater, de maneira que aluguei o mais recente lançamento tão logo vi o cd – “Falling Into Infinity” – na MadSound. E a minha primeira impressão, ao ouvir “New Millenium” e as demais faixas, foi a de não saber o que pensar a respeito do disco. De fato, demorei a firmar uma opinião sobre o álbum, sendo que a única convicção era a de que não se tratava de um disco tão bom quanto os anteriores, provavelmente pela maneirada no som pesado e no privilégio concedido a baladas e músicas com muita melodia. Hesitei por alguns dias, mas acabei comprando o CD numa das Multisom do Iguatemi (aquela que ficava perto da extinta Banana Records). Nessas condições, não é dos meus favoritos, mas com o tempo consegui adotar uma posição mais pacífica em relação ao disco, até porque não há como opor que o disco foi cuidadosa e detalhadamente produzido, composto e gravado de forma exemplar.

Agora já sabemos o panorama no qual foi concebido “FII”: o projeto era para um álbum duplo (havia muito material composto pela banda), mas a gravadora vetou a ideia, pediu um álbum mais comercial e ainda impôs um produtor conceituado (Kevin Shirley – depois dessa experiência, a banda conseguiu afastar produtores externos nos discos subsequentes). Conforme Mike Portnoy, isso se deveu a uma mudança nas cabeças decisórias da gravadora, e as novas peças não conheciam nem queriam conhecer a banda, acarretando essa intromissão tida como indevida (o célebre Desmond Child foi chamado para colaborar em “You Not Me”, modificando versos do refrão, o nome da música e aparentemente encurtando o solo de guitarra – essas modificações, salvo engano, melhoraram de fato a música), e falta de investimento na promoção dos discos da banda (as vendas ficavam limitadas aos fãs e seguidores habituais, em detrimento da agregação de novos fãs). O baterista sugeriu, até, que nessa época pensou em encerrar as atividades da banda. Assim, diferentemente do que eu (e muitos outros, pelo que se vê nas incontáveis resenhas – e palpites - disponíveis na internet) pensava na época, a mudança no som do DT não tinha nada a ver com a participação de Derek Sherinian (durante um tempo achei que por ser um músico muito ligado ao hard rock farofa, suas contribuições poderiam ter enfraquecido o som da banda, o que absolutamente não tem nada a ver, sobretudo quando se ouve o primeiro disco que o cara lançou logo depois de ser saído do Dream Theater: o extraordinário “Planet X”, com algumas músicas muito mais legais do que muitas das lançadas pelo próprio Dream Theater nos seus discos da era Rudess: como exemplo, basta citar “Apocalypse 1470 B.C.”, com virtuosismo inacreditável). Além disso, durante todo esse tempo achei que a banda contava com apoio incondicional da gravadora, tendo em vista o sem número de discos ao vivo duplos e triplos (!) e de DVDs duplos lançados no período (pensando em retrospecto, talvez isso se justifique mais pelo fato de que os fãs do Dream Theater adquirem tudo o que diz respeito à banda, notadamente os incontáveis bootlegs dos shows, e assim a gravadora poderia faturar em cima da avidez dos fanáticos, não coincidindo propriamente com alguma convicção artística no trabalho da banda). Por outro lado, lembro de entrevistas de John Petrucci para a Guitar World – nessa época já não comprava mais revistas de guitarra importadas, só lia as entrevistas e tablaturas na banca, geralmente a antiga Siciliano do Praia de Belas - , nas quais ele enfatizava que “FII” seria uma espécie de “Dark Side of the Moon” do DT, tal o cuidado com a produção e a composição das faixas. Admitiu, indiretamente, na ocasião, que o prog metal havia sido deixado em segundo plano ao dizer que “para os que querem mais prog estamos compondo uma música de 20min, tipo ‘A Change of Seasons’ para ser a continuação de ‘Metropolis Pt. 1’”. Por fim, no vídeo “5 Years in a Livetime” – registrado durante as gravações de “FII” e a turnê subsequente – há um momento em que Portnoy pergunta a Derek Sherinian o que ele estava fazendo, ao que o tecladista respondeu “fazendo história”. Parecia haver, seja como for, confiança no material, na qualidade das músicas e na direção que estava sendo tomada, independentemente dos bastidores tidos como desfavoráveis.

“Falling Into Infinity” é um disco enorme (quase 80min) com diversas faixas (11) muitas das quais totalmente diversas entre si em relação ao estilo: vários gêneros são representados, desde uma espécie de hard rock (“You Not Me”), até metal (“Just Let Me Breathe”), passando por (excesso de) baladas radiofônicas (“Hollow Years”, “Take Away My Pain” e “Anna Lee”) e músicas mais progressivas (longas e com várias partes, como “New Millenium”, “Lines in the Sand” e “Trial of Tears”). Há coisas para lamentar: (a) excesso de baladas radiofônicas (“Take Away My Pain” e “Anna Lee” são bonitas, mas são mais fracas que “Hollow Years”, e acabam sobrando); e (b) “Hell´s Kitchen” foi composta originariamente como uma parte de “Burning My Soul”, mas acabou se optando pela cisão da música em duas, a fim de viabilizar uma faixa pesada e curta como “single” ou algo do tipo (“Burning My Soul” ficou com pouco mais de 5min, ao invés dos 9min se contasse com a parte “Hell´s Kitchen”) – dessa forma, as duas faixas ficaram enfraquecidas, pois sem “Hell´s Kitchen”, “Burning My Soul” se torna uma música pesada comum – apesar de muito boa - na discografia da banda e “Hell´s Kitchen”, por si só, não tem força para se tornar uma faixa instrumental memorável. No geral, o clima é o de que a banda não conseguiu compor músicas fortes (clássicas) para acompanhar o material desenvolvido com sucesso em “IAW”, “Awake” e “ACOS”. Mas algumas músicas de “FII” são, de fato, excelentes, e pelo menos os timbres de Derek Sherinian (com o Korg Triton e o Korg Trinity) são os melhores que já apareceram na discografia da banda.

Sempre me pareceu estranho inaugurar um disco como “FII” com “New Millenium”. Há uma introdução com teclado (timbre massa de Sherinian) e fico na expectativa de evolução para algo extraordinário, que acaba não vindo, sobretudo quando se considera que quando James LaBrie aparece para cantar os primeiros versos, o faz num registro extremamente baixo (e agora se sabe que isso é decorrência de uma ruptura nas cordas vocais, não tratadas adequadamente, durante a turnê de “Awake”, sendo que essa condição afetou a performance do vocalista pelo menos até o disco “Six Degrees of Inner Turbulence”). A faixa é boa, no entanto, pela parte instrumental, na qual há uns duetos legais entre Sherinian e Petrucci, conduzidos por boas levadas de Portnoy.

Se lembrarmos que “Awake” tinha “Innocence Faded” não deveria causar estranheza que a segunda faixa de “FII” fosse uma do tipo “You Not Me”. É difícil dizer que uma música do Dream Theater é ruim, talvez parecendo mais correto dizer-se que é uma música ruim PARA o padrão Dream Theater (e mesmo isso é difícil de dizer, pois Portnoy costuma enfatizar que a banda, como seguidora do rock progressivo, pode se propor a fazer qualquer tipo de música que ainda assim não parecerá estranho ou despropositado, e nem comprometerá suas “raízes”). De qualquer maneira, “You Not Me” é um hard rock, e entendo que a música só teve a ganhar com o famigerado “input” de Desmond Child.

As coisas melhoram bastante em “Peruvian Skies”: apesar de que já conhecemos bastante o tipo de música que começa com um dedilhado com guitarra limpa e segue para momentos com guitarra distorcida, no caso do Dream Theater, porém, o dedilhado é bem legal, com notas imprevisíveis (ou, dito de outro modo, escolhidas de forma elegante e sofisticada), e com acompanhamento de uma boa levada de Portnoy e uns timbres legais do teclado de Sherinian. Após um dos melhores solos de guitara de Petrucci, a faixa evolui para culminar com um bom riff de heavy metal (esse tipo de riff era apresentado com moderação pela banda, e o resultado era sempre 100% bom), ao estilo “Enter Sandman” do Metallica (não por acaso esse riff é tocado brevemente na versão que apareceu no “Once in A Livetime”) precedido de um solo bem composto e executado por Petrucci.

A impressão ao ouvir “Hollow Years”, tanto quanto em “Another Day” de “Images and Words”, era de que seria uma música fácil de tirar no violão. Olhando, no entanto, para as tablaturas, verifica-se que há diversos acordes incomuns para o rock (algum jazzista ou bossanovista certamente vai achar uma barbada de tocar), então não foi dessa vez que descobri uma do Dream Theater para tocar na íntegra. É inegável que se trata de uma música bela, com melodias bacanas. Deveria ser a única balada do disco.

“Burning My Soul” tem um excelente solo de Sherinian, bem melhor do que muitos dos que posteriormente foram registrados por Ruddess e por Petrucci. Até a base do solo, conduzida por baixo e guitarra, é legal, com várias mudanças de compasso. A música é legal, com um riff pesado e diferente de guitarra (exige um pouco de ginástica da mão esquerda), mas teria ganho muito caso não tivesse sido-lhe retirada a parte que veio a formar “Hell´s Kitchen”, que sozinha parece uma peça inacabada. O final desta praticamente emenda com “Lines in the Sand”.

“Lines in the Sand” tem uma introdução longa de Sherinian (com timbres então inéditos e matadores, sabendo-se como se sabe que o tecladista curte sons que remetem à guitarra distorcida – o Korg Triton ou o Trinity era um dos instrumentos principais do cara na época com essa finalidade). Mas foi só quando ouvi com atenção a parte antes dos vocais, quando Petrucci começa a tocar um riff repetitivo e a bateria de Portnoy toca uma levada diferente na bateria por alguns compassos, até “acertar” a levada “correta” para aquele riff, que abri o ouvido para curtir – com moderação – essa faixa. Esses momentos em que Portnoy muda a levada para um mesmo riff (ou dá uma quebrada inesperada) são sempre legais. Lá pelas tantas a música abre para um solo muito inspirado de Petrucci (o cara ainda não era adepto das fritadas, como agora). O backing vocal de Doug Pinnick no refrão sempre me pareceu meio bizarro e descabido.

Outro momento legal de prog é em “Just Let Me Breathe”, que tem um riff com uns hammer-ons e pull-offs na 7.ª corda solta lá pelas casas 10 e 12. A música é a mais pesada e uma das melhores do disco e conta com mais um momento espetacular de interação entre Sherinian e Petrucci (este revelou na mesma entrevista para a Guitar World já referida que curte esses duetos e prefere aqueles em que toca padrões de três notas por corda).

Os caras encontraram espaço para mais uma balada, dessa vez com ênfase no piano: “Anna Lee”, que começa como uma espécie de “Wait for Sleep” do Sherinian (no quesito “introdução-de-piano”), mas que ganha outras partes e contribuições dos outros instrumentos. É a única letra de James Labrie, assim como a faixa seguinte é a única de John Myung (as demais foram escritas por Petrucci ou por Portnoy – este foi responsável pelas das faixas mais pesadas: “New Millenium”, “Burning My Soul” e “Just Let Me Breathe”).

Só fui ouvir com mais atenção “Trial of Tears” a partir da versão do triplo ao vivo “Live at Budokan”. Aqui não há espaço para heavy metal: não há riffs na 6.ª corda solta. Petrucci mostra a sua versatilidade e toca coisas realmente criativas na guitarra, e o mesmo se pode dizer das levadas de Portnoy, notadamente naquelas com baixo e bateria que precedem os solos (“Deep in Heaven”). É muito bom o refrão (“It´s Raining”) e toda a interpretação de James LaBrie, bem como a parte com acordes de violão (ou guitarra limpa) após o solo de Sherinian (“The Wasteland”). Trata-se de uma composição realmente repleta de melodias bonitas e momentos expressivos.

Particularmente entendo que o mérito de “FII” é demonstrar que o Dream Theater não estava preso a fórmulas, eis que cada disco era diferente do outro e mostrava certa evolução. Entretanto, a evolução preconizada por “FII” – seja por orientação da gravadora, seja pelo tipo de música que os caras estavam se propondo a compor – não guardava sintonia com os melhores momentos dos discos anteriores, de modo que por muitos anos vivi com um certo desapontamento e a convicção de que a época boa da banda foi a época com Kevin Moore (agora já acho que a época boa do Dream Theater vai até o “FII”). Entretanto, é possível escutar “FII” sem lembrar de “IAW” e de “Awake” e considerá-lo – não o melhor mas - um grande disco do Dream Theater.

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