Da turnê de “Scenes From a Memory”, o Dream Theater lançou um disco triplo (!) ao vivo contendo uma performance de 4 horas em NYC na qual foi reproduzida a íntegra de “SFAM”, com participação de orquestra e tudo mais, além da execução de “A Man Beside Itself” (que corresponde à trinca “Erotomania”, “Voices” e “The Silent Man” de “Awake”) e de “A Change of Seasons”. Esse álbum, lamentavelmente, não foi lançado no Brasil, e a aquisição de um triplo importado é, ainda hoje, proibitiva. “Live Scenes From New York” também se notabilizou pelo seu lançamento ter coincidido com o dia do atentado ao WTC (ninguém esquece do 11/09/2001), e por conter na capa o prédio em chamas (a arte foi imediatamente alterada para uma outra bem mais singela com o coração que aparece na capa de “Images and Words”).
Pouco se divulgou sobre o próximo disco de estúdio do Dream Theater, e foi a primeira vez que achei que um álbum da banda estava sendo lançado de forma surpreendentemente rápida, sendo certo que me parece elogiável a iniciativa de lançar discos com regularidade (poucas bandas se dão esse trabalho, diferentemente dos anos 1970 e, em alguns casos, 1980). Admito que não consegui conter a curiosidade quando apareceram os mp3 do novo disco “Six Degrees of Inner Turbulence” no final de 2001/início de 2002 (estava durante as férias escolares mas sem férias no estágio, o que não necessariamente era ruim). Ouvi um pouco da primeira faixa na casa do Bruce, e depois baixei as músicas do CD1 (e as ouvi um par de vezes), já sabendo que o CD2 seria reservado para a faixa-título, com mais de 40min (comprei o disco logo que vi na loja, provavelmente a Saraiva). E lembro claramente de como fiquei bem impressionado com “The Glass Prison”. Uma introdução de John Myung (com tappings e harmônicos artificiais, bem ao seu estilo), ao qual aderem os demais instrumentos até culminar num riff matador de guitarra de John Petrucci (o wah-wah nos últimos compassos serve para enfatizar ainda mais a cavalice). Depois disso é pauleira na 7.ª corda, totalizando 13min de heavy metal com progressivo. Diz-se que a música foi composta depois de Petrucci e Portnoy terem assistido a um show do Pantera (então em final de atividades). Seguramente é a melhor música da banda desde “A Change of Seasons” (e a melhor desde então), e a receptividade parece ter sido tão boa que a banda resolveu dedicar um disco inteiro a um som desse gênero (embora o resultado – “Train of Thought” – seja de qualidade discutível). “The Glass Prison” tem letra escrita por Mike Portnoy a respeito dos seus problemas com alcoolismo e seria a primeira parte da suíte dedicada ao tema, ao qual seriam dedicadas faixas dos discos subseqüentes – e ao final formariam uma grande música de aproximadamente 40min para mais. A letra é muito boa, e finalmente funcionou o backing vocal de Portnoy – mais exatamente, o cara divide os versos da primeira parte com James LaBrie, em estilo chamada-e-resposta, e o faz de tal forma que a banda jamais repetiu o êxito a partir de então (o mais próximo talvez seja em “The Dark Eternal Night” de “Systematic Chaos”). O refrão é legal e depois a música muda de groove para acompanhar um riff monumental de Petrucci, no qual Rudess reproduz o papel de DJ a fim de dar um ar de new metal (que ainda tinha certa popularidade na época). Esse riff é intercalado com outro com várias notas e muito bom também. Os caras pareciam certeiros em todos os aspectos, mas achei um pouco exagerada a parte instrumental que segue depois até perto do final: muitas repetições de duas ou três partes que parecem vir e voltar arbitrariamente, até desacelerar e voltar para o último verso que encerra abruptamente a faixa. Com o tempo e um pouco de pesquisa, reparei que é um recurso utilizado também por outras bandas de metal progressivo como Lamb of God, Mastodon, entre outras até o Metallica. Apesar de se tratar de uma música excelente, foi a partir dessa faixa que reparei na mudança de duas características da banda: (a) a predominância de solos de guitarra fritados em prejuízo dos solos mais sofisticados, que se caracterizavam por vários bends e efeitos e wah-whas; e (b) o papel secundário exercido por Rudess (durante muito tempo me frustrei com os timbres datados – ou timbres de piano repetitivos e fora de propósito - e a falta de riffs e melodias criativas de teclado como Moore e Sherinian nos havia acostumado em faixas como “Caught in a Web”, “The Mirror”, “Lines in the Sand”, “Just Let Me Breathe”).
Com uma abertura tão boa, “6DOIT” prometia ser o melhor da discografia da banda. Mas as faixas seguintes, apesar de boas, não são tão marcantes. “Blind Faith” é completamente diferente (não tem riffs de heavy metal, apesar da afinação mais baixa da guitarra e dos acordes executados em regiões graves), com um belo refrão (aliás, toda a parte cantada por LaBrie é muito boa), mas, assim como a primeira, essa segunda faixa também tem longas passagens instrumentais. De qualquer maneira, o resultado não é desprezível, e o mesmo se pode dizer de “Misunderstood”, que também tem um bom refrão e boas partes cantadas.
“The Great Debate” é outra música longa com letra de Petrucci (sobre “stem cell research”), com introdução sorrateira (do tipo que “vai num crescendo” e que contém diversas frases tiradas de jornalistas de TV sobre o tema da letra) até culminar com um riff simples em andamento e levada que me lembraram imediatamente ao som do Rush.
A última do CD1 é “Disappear”, bem diferente e bem melancólica – e modernosa, talvez influência de Radiohead, embora não tenha condições de afirmar isso categoricamente (falta-me conhecimento da discografia da banda inglesa). Então o CD1 de “SDOIT” tem músicas variadas, com bons momentos, e uma música excepcional; tirante essa, nada muito marcante.
O CD2 é dedicado na íntegra a uma faixa de mais de 40min, que dá o nome ao álbum, e foi dividida em 7 partes para, segundo Portnoy, facilitar a audição. Entendo que essa medida enfraquece a noção de “uma-música-de-40-min”, mais parecendo 7 músicas de um disco conceitual como “Dark Side of the Moon” do Pink Floyd (mal comparando). É um esforço demasiado tentar descrever essa grande faixa, sobretudo porque os melhores momentos são “Solitary Shell” e “Goodnight Kiss” (que são baladas aptas a serem lançadas como singles, com começo, meio, fim e refrão radiofônico). Diz-se que Jordan Rudess compôs integralmente a “Overture” como se fizesse parte de trilha sonora de filme de cinema; a banda acabou aproveitando-a e ainda adotando alguns temas como partes principais da composição principal que veio a ser a faixa-título. Além disso, há um riff que era bem executado tanto na guitarra, quanto no teclado, e como a banda não soube eleger um, optaram por manejar os dois como partes principais das duas “About to Crash” – a primeira com piano e a reprise com guitarra. Dois momentos de peso correspondem a “War Inside My Head” (com bom backing vocal de Portnoy) e “The Test That Stumped Them All” (após cada refrão é executado um padrão na bateria inicialmente apenas com a caixa, ao qual Portnoy agrega – e dificulta a execução – outros instrumentos da bateria a cada repetição).
Um disco duplo de material inédito poderia resultar em um álbum repetitivo e monótono, ou com altos e baixos. No caso do Dream Theater, os caras se desincumbiram bem dessa tarefa, criando uma música excepcional (“The Glass Prison”) e outras músicas boas, interessantes e/ou diversificadas em comparação com seu repertório até então (“Blind Faith”, “Misunderstood”, “The Great Debate” e “Disappear”, além da própria faixa-título de 40min). Particularmente, achei que a banda estava tomando um rumo muito bom, embora nem fizesse ideia do que a banda poderia fazer de diferente para não repetir as experiências anteriores (álbum duplo, disco conceitual, mais melódico, mais pesado, mais prog, etc). Na turnê subseqüente, os caras expandiram como nunca o tamanho dos shows, empregando a ideia do “an evening with Dream Theater”, sem bandas de abertura, e com shows de quase 3h. Além disso, a banda começou a executar na íntegra discos clássicos de bandas influentes, como “The Number of the Beast” do Iron Maiden, “Master of Puppets” do Metallica, “Made in Japan” do Deep Purple, “Dark Side of the Moon” do Pink Floyd.
3 comentários:
O disco 1 é a última coisa que considero de qualidade do Dream Theater. Apesar de algumas chupadas fortes (Great Debate é "Natural Science" do Rush misturada com "Ticks & Leeches" do Tool), contém a minha música favorita dos caras, "Misunderstood". No disco 2 curto "About to Crash", porque ela me remeta a um clima Kansas, mas acho que ela caberia melhor num album do Transatlantic. Esse é o ponto onde o Portnoy realmente se perdeu e transformou o DT em banda cover de luxo.
cara, o que mais me impressiona é ver o quanto a gente discorda sobre várias coisas dessa banda da qual nós dois somos fãs. heheheh.
por exemplo: glass prison é uma sonzeira desgraçada, pra mim. mas blind faith é a minha melhor música do dream theater de todos os tempos, inclusive pelas passagens instrumentais que não me parecem "ilógicas" ou fora de propósito. na minha opinião, letra, música, temas, solos, tudo nela fecha.
Vinícius: "Blind Faith" pode não ser minha favorita de todos os tempos do DT, mas é como disse: "belo refrão (aliás, toda a parte cantada por LaBrie é muito boa) (...) o resultado não é desprezível, e o mesmo se pode dizer de 'Misunderstood' (...)". Não há dúvidas de que é uma música de respeito e boa. Então a divergência, aqui, não é tão expressiva.
No mais, fecho com o Bruce.
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