Bem ou mal, considero sempre positivo quando uma banda se propõe a lançar discos de músicas inéditas com regularidade, afinal são poucas que se dedicam a tal arte nesses anos 2000. Além disso, se o lançamento de um CD a cada par de anos pode fazer com que eventualmente um ou outro não tenha a mesma qualidade dos melhores discos de determinada banda - e seja tido como ruim -, entendo que mesmo um disco ruim, nessas circunstâncias, pode ser bem recebido por parte do público e se tornar um clássico do tipo “underrated”, e em escala isso já terá valido o esforço dos músicos. Quero dizer com isso que, como de costume, acompanhei as notícias prévias ao lançamento de “Octavarium”, sem grande ansiedade e sem baixar mp3 na rede (na verdade fui um dos que baixou o disco solo de James LaBrie como se fosse o novo do DT; tão logo percebi o engodo, desencanei de ir atrás da coisa verdadeira), mas não me furtei de adquiri-lo (provavelmente na Cultura, mas talvez na Saraiva) tão logo vi na loja, com esperanças de ouvir boas músicas já que era certo que não se trataria de um “Train of Thought II”, e sabendo que haveria de alguma maneira um retorno ao lado prog da banda. Em 2005 já estava plenamente empregado, porém sem atividades musicais regulares. Dominava a discografia do Dream Theater, e pelas experiências frustrantes dos lançamentos anteriores, trouxe o novo álbum para casa para cumprir um costume.
Admito que desde a primeira audição de “Octavarium” tive sensação de decepção. Na internet é muito comum encontrar uma lista com as inúmeras ligações entre os números 8 e 5 constantes desde a arte da capa até o número de faixas. Além disso, “Octavarium” começa como terminou “Train of Thought” (da mesma forma que “Six Degrees of Inner Turbulence” começa com o mesmo “white noise” que encerra “Scenes From a Memory”), tem oito faixas (os discos anteriores tinham 7 e 6), todas em tons diferentes (uma a uma são utilizadas os tons de F, G, A... F), dentre outras sofisticadas coincidências ou intrincadas referências e ligações. Aparentemente, o tema do disco é “as coisas começam onde terminam”, e houve quem temeu pelo encerramento das atividades da banda (alguém interpretou que “Octavarium” encerraria o ciclo do Dream Theater). Acabei achando enfadonha tanta ênfase nesses fatos não-musicais, e achei uma pena que tanto esforço não tenha sido feito na composição das músicas.
A ideia de Mike Portnoy de dedicar uma faixa de cada disco para a famigerada suíte dos 12 passos – e ao final ter-se uma grande música de 60min – é muito boa. E começou de forma excelente, com “The Glass Prison” do “6DOIT”. A sequência, “This Dying Soul”, manteve o peso mas não a qualidade (alguns riffs são fracos). A terceira parte é a que abre “Octavarium”: “The Root of All Evil” retoma um riff de “This Dying Soul” e parte para um outro muito fraco, que domina a música. O refrão recicla de maneira irregular outra parte de “This Dying Soul”, e particularmente achei o resultado final de qualidade bastante inferior.
Desde “Falling Into Infinity” que não havia tantas músicas melódicas/melosas num mesmo CD: “Octavarium” traz duas, sendo a primeira “The Answer Lies Within”. É uma música curta (pouco mais de 5min) e estrutura tradicional, do tipo cuidadosamente composta e produzida, exibindo o lado mais comercial da banda (Portnoy entende que por se tratar o Dream Theater uma banda de rock progressivo, é dado aos caras compor todo o tipo de som, inclusive, se for o caso, algo do estilo mais comercial). O mesmo se pode dizer de “I Walk Beside You”, com o agravante de que esta última se assemelha em demasia ao material de bandas como U2 e Coldplay. Não há dúvidas de que ambas as músicas não são ruins: pelo contrário, são composições bacanas, com boa interpretação (principalmente do vocal de James LaBrie), mas entendo que a banda peca pelas referências óbvias demais.
Diz-se que uma das faixas (“Wither”) do álbum mais recente, lançado em 2009, “Black Clouds & Silver Linings”, tem letra de John Petrucci a respeito do seu temor em relação ao “writer´s block” (mais exatamente, em entrevista à Guitar World de outubro de 2009, o guitarrista revela que a letra é apenas sobre a sensação de escrever – uma música, um livro, um poema – do zero, com a página em branco, e a necessidade de preenchê-la, digamos assim). Pois acho que o cara já escreveu algo do tipo em “Octavarium”... Desde a primeira vez que li a letra de “These Walls” interpretei como se o guitarrista estivesse desabafando sobre a falta de criatividade/inspiração para compor coisas novas, e de forma jocosa (e marota, admito) pensei que a ironia se aplicava ao caso do próprio Dream Theater. Em todo o caso, basta acompanhar: “This is so hard for me/To find the words to say/My thoughts are standing still/Captive inside of me/All emotions start to hide/And nothing´s getting through/Watch me fading/I´m losing all my instincts/Falling into darkness/Tear down these walls for me/Stop me from going under/You are the only one who knows I´m holding back (…)”. Parece a descrição de alguém que se angustia com a súbita incapacidade para criar algo interessante e de relevo. A parte musical tem altos e baixos: começa com sons de alavancadas muito legais de guitarra barítono com afinação pesadíssima. A estrutura, volto a dizer, é tradicional com verso/ponte/refrão, e a certa altura isso torna monótona a audição de um disco da banda nesses termos. Se a letra descreve um compositor angustiado e limitado pela falta de inspiração, a música reflete essa inquietação por seguir uma fórmula consagrada de música de rock.
Duas faixas agressivas e dois épicos vêm adiante. “Panic Attack” e “Never Enough” são do primeiro tipo, e “Sacrificed Sons” e “Octavarium” do segundo.
Os momentos de destaque do baixo de John Myung vem escasseando a cada disco, mas o cara teve oportunidade para executar o riff de abertura de “Panic Attack”. É uma música decente, bem pesada, com algumas partes “ultra metal” (aparentemente do tipo Meshugah, mas me falta o conhecimento para identificar). Geralmente tenho restrições ao tipo de base para os versos com guitarras bem pesadas e cheias de pausas; parece muito Evanescence para o meu gosto.
Achei “Never Enough” muito legal nas primeiras vezes que ouvi. Mas o Bruce/Valmor revelou que se tratava de um cover disfarçado de “Stockholm Syndrome” do Muse. E de fato: tenho o CD do Muse e a semelhança é assustadora, o que deprecia irremediavelmente a audição da faixa. Para liquidar, a letra de Portnoy é uma reclamação grotesca contra os fãs antigos da banda segundo os quais o material apresentado pelo DT nos últimos discos “nunca é (bom) o bastante”. Em outras palavras, a letra é sobre os fãs que reclamam da banda e de Portnoy que reclama dos fãs que reclamam. Quando tive ciência do tema da letra, resolvi lê-la e pude perceber a infantilidade da reclamação, pois o baterista atribui diretamente aos fãs os seus problemas particulares (com bebida, com a família, etc). Não me parece correto – nem maduro - atribuir a causa de problemas pessoais a terceiros, sobretudo no caso de um músico que toca numa banda: afinal, os fãs que compram discos financiam o modo de vida dos músicos, e os primeiros não ganham nada com os segundos, ao contrário destes que vivem com o dinheiro obtido em função daqueles. Tenho feito um exercício de ouvir essa música desconsiderando o fato de que se trataria de um cover disfarçado, bem como a letra despicienda.
LaBrie escreveu uma letra sobre os atentados de 11/09 que virou um épico de 15min: “Sacrificed Sons”. O início arrastado com o piano de Rudess compromete a música que tem bons versos cantados, um refrão previsível, e partes instrumentais idem (nada do que nós já não tenhamos ouvido melhor em outras da banda).
O álbum encerra com uma faixa de 24min, que dá nome ao CD. Aqui se encontram diversas referências a bandas de rock progressivo. A ninguém escapou que o início com teclado climático e solo de guitarra de colo lembra em tudo o início de “Shine On You Crazy Diamond” do Pink Floyd. Lá pelas tantas há um andamento com baixo e bateria que remete a Chris Squire e Alan White do Yes, bem como um riff de teclado com timbre de Moog, no estilo Rick Wakeman. Alguns versos de Portnoy, inclusive, fazem referência expressa a nomes de bandas, artistas de música e de cinema, títulos de músicas e de discos, etc. Lamento não conseguir ouvi-la sem pensar na coletânea de referências e citações, óbvias ou sutis, e também sem comparar com outras fases do Dream Theater nas quais as coisas pareciam mais criativas e originais.
Lendo comentários em vídeos do youtube ou de resenhas de CDs do Dream Theater, reparei que “Octavarium” é citado com frequência como o disco favorito de muitas pessoas – provavelmente neófitos. Independentemente disso, valorizo a disposição do Dream Theater de lançar com regularidade discos com músicas inéditas, sendo certa que essa experiência tem acarretado, no mínimo, a captura de novos fãs e a manutenção de grande parte dos fãs antigos, de modo que após 20 anos de atividades, a banda experimenta novo fôlego para continuar fazendo o que tem feito desde 1985.
3 comentários:
Vale lembrar que Panic Attack tbm é uma chupada forte no Muse (Hysteria), dando uma cara mais metal apenas. A melodia vocal é absolutamente reminiscente do estilo do matt Bellamy! Engraçado que no EP digital de "Wither" que saiu agora temos duas demos com vocais do Portnoy e Petrucci (entupidas de auto-tune) e ali dá pra ver que o Labrie não tem input criativo algum.
cara, não sei explicar direito por que é essa a sensação que vem, mas eu sempre lembro do 8varium como um disco BREGA. talvez a quantidade assustadora de clichês.
um detalhe: sacrificed sons é a terceira da chatíssima série quádrupla deles sobre religião e guerra. começou com uma música espetacular (blind faith) e depois foi caindo.
in the name of god é uma música infinita. ela poderia ter metade da duração que tem tirando as enrolações sem sentido: por que uma música que fala de conflitos armados alimentados por razões religiosas tem trechos latinos? quando tivemos confrontos motivados por religião na américa do sul esses ritmos não existiam.
sacrificed retoma a fórmula DT de tentar consertar uma música: depois do segundo ou terceiro refrão, vem uma paradinha e muda-se o andamento da música e de repente todo mundo quebra o pau, entram altos riffs mirabolantes e duelos de solos. tipo: "?"
e depois vem prophets of war, de novo com labrie nas letras, sobre como os governos manipulam as mentes dos indivíduos.
e das letras, a única que realmente se salva é blind faith, porque traz o "povo" reagindo, demonstrando insatisfação e cobrando alguma coisa pra alimentar a esperança, por mais que eles permaneçam passivos no final. de qualquer forma, não são meros robôs. já as outras... porra, haja saco...
Vinicius: a síntese é perfeita: brega e cafona.
Bruce/Valmor: cara, manda essas demos com vocais JaM.
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