Um livro que se diz "rough guide" a respeito do Pink Floyd, compreendendo todas as fases da banda, resenhas de discos e das 50 melhores músicas (na opinião do autor do livro), filmes, bootlegs, discos solo, e tudo mais, escrito em inglês, por apenas 30 pila na Cultura, pareceu-me de indispensável leitura.
Pink Floyd é uma das bandas que tenho o maior respeito, apesar de não conhecer toda a sua discografia (cada disco custa mais de 30 reais nas lojas e não é fácil encontrá-los nas "bocas dos discos"); afinal, os caras gravaram três discos clássicos ("Dark Side of the Moon", "The Wall" e "Wish You Were Here") e outros marcantes (p. ex.: "The Piper at the Gates of Dawn" e "Meddle"). Não sou o maior fã dos caras, mas não dispenso oportunidades para me inteirar da grandiosa obra dessa banda, sendo certo que os discos contêm boas músicas e são cercados de boas histórias a respeito das gravações e das composições. E era isso que estava esperando ler nesse "rough guide".
Logo no início reparei num ponto negativo: a leitura não é tão fluida quanto seria desejável num livro sobre uma banda de rock. Talvez seja deficiência minha (acostumado que estou com o inglês de letras de músicas e de revistas de guitarras), mas levei um tempo para acostumar com a linguagem cheia de adjetivos (resenhas de discos de certas revistas - nacionais ou estrangeiras - costumam ser bastante prolíficas nesse sentido). Isso dificulta um pouco a tarefa de ler as resenhas sobre os discos mais antigos. Além disso, o autor Toby Manning, em que pese a demonstração de domínio sobre a trajetória da banda, é fã e não se preocupa muito em se manter neutro em relação às fases da banda (é nítida a predileção pela época de Waters).
Seja como for, comecei a ler do jeito que me pareceu melhor: de trás para frente, desde "The Division Bell" até o primeiro com Syd Barrett. E se a minha expectativa com relação ao livro era a de me inteirar sobre o método de composição do Pink Floyd, e sobre as gravações dos discos, posso dizer que fiquei satisfeito. Afinal, muita coisa resta esclarecida, a mais significativa delas a predominância das composições de Roger Waters. Sabendo que David Gilmour é um excepcional guitarrista, e que a banda seguiu sem Waters durante os anos 90 com discos contendo algumas boas músicas, não conseguia entender como o guitarrista era creditado pela composição de algumas poucas faixas nos discos mais importantes. E aí fico sabendo que Gilmour, assim como Wright e Mason, na verdade não é muito ágil para compor. P. ex., na época de gravar "The Wall", Waters apareceu com material para dois discos: o próprio "The Wall" e um outro que foi lançado após sua saída do Floyd ("The Pros and Cons of Hitchhicking"). E foi mais ou menos dessa forma que Waters compôs a maior parte de "Animals", "Dark Side", etc. Então a participação menor de Gilmour, em termos de créditos nas composições, só pode ser imputada ao próprio Gilmour, e na guerra de egos e megalomania entre os integrantes, vencia o cara mais determinado e que ao invés de se dedicar a hobbies (corridas de carros, caça, etc) tratava de compor músicas e conceitos inteiros. E se são poucas as contribuições de Gilmour, pelo menos são as mais certeiras e duradouras (são dele as melhores de "The Wall": "Run Like Hell" e "Confortably Numb"). E se cada um tem seu ritmo, e Gilmour consegue desempenhar satisfatoriamente compondo poucas e excelentes músicas, isso explica os resultados irregulares (digamos assim) dos seus discos solo.
Além disso, há descrições sobre (a) a utilização do sintetizador VCS3 em "Obscured by Clouds" e no próprio "Dark Side...", o que para mim é sempre interessante em se tratando de sintetizadores analógicos; (b) as fracas e pouco inspiradas apresentações ao vivo durante os anos 70; e (c) a ínfima contribuição de Rick Wright e (mais ainda) de Nick Mason nos grandes discos; talvez por isso não esteja errado Waters quando considerava o tecladista e o baterista como dispensáveis (i. é, poderiam ser substituídos sem prejuízo por outros músicos, talvez até mais talentosos). Aliás, fica claro, ao seguir a resenha cronológica, que o tanto que Waters assumia as rédeas do Floyd era acompanhado pelo incremento de seu comportamento arrogante em relação aos demais integrantes. E se as coisas foram assim mesmo, e parece que o foram, não tenho como tirar a razão de Waters, pois entendo perfeitamente como deve ser irritante para um cara que tem idéias e quer pô-las em prática se deparar com seus companheiros de banda descomprometidos e descompromissados, que reclamam por maior participação mas não agregam efetiva contribuição. Ou seja, possivelmente não seja demasiado afirmar que a banda foi adiante por causa da determinação (e também das frescuras) de Waters; e é inegável que a tarefa de Waters foi imensamente favorecida por contar com os inputs qualificados de Gilmour (que tem o melhor vocal, indiscutivelmente, e é um talentoso guitarrista), e de Wright e Mason (em alguma medida esses caras fizeram contribuições importantes, como gravações de efeitos especiais, etc).
O livro serviu ainda para me tranqüilizar a respeito de "The Final Cut", último disco de Waters com a banda, e que é como um tijolo para engolir. Adquiri recentemente (na "Boca" por 15 pila), já tendo noção de que se tratava de um disco de audição complicada, e agora tive a confirmação de que este álbum não é para o "casual listener", pois demanda um estado de espírito especial, i. é, não dá para botar para rodar o cd e achar que vão sair algum "greatest hit".
É digno de nota ainda as definitivas versões sobre alguns fatos notórios sobre a carreira do Pink Floyd como (a) a participação de Claire Torry em "The Great Gig in the Sky"; (b) a visita de Syd Barrett durante a gravação de "Wish You Were Here"; e (c) a famigerada sincronização de "Dark Side of the Moon" com o filme "Mágico de Oz". Sobretudo serviu para confirmar certas noções como a de que "Wish You Were Here" foi composto a partir do riff inicial de quatro notas de Gilmour em "Shine on You Crazy Diamond", e que o conteúdo das letras gira ao redor da idéia de "ausência" e do próprio comportamento "ausente" de Syd Barrett.
5 comentários:
Faltou escrever sobre o plágio do Phantom of the Opera, que é a parte que interessa ao público feminino.
Valeu pelo comentário sobre America e Yes! Muito interessante! Ouvi no youtube a versão. Vivendo e aprendendo...
É mesmo, faltou isso e também faltou dizer que o autor do livro não esclarece a causa da "loucura" de Syd Barrett, embora tenha ficado bastante claro que a continuidade da banda era inviável com o guitarrista naquele estado (atitudes imprevisíveis e incompreensíveis).
ácido, ué. compra o "inside out" do nick mason que tá tudo ali.
mas o rough guide é rico em fotos? eu, floydmaníaco, devo me preocupar em comprar ou isso não vai acrescentar em nada pra mim? eu já li vários livros. eu gosto mesmo é de ver FOTO. especialmente as da tour de 94. :D
Segundo R. Wright (conforme o livro), não foi só o ácido, pq aí todo mundo tomava; o ácido foi o catalisador da loucura que já ia aparecer cedo ou tarde.
O livro não vale nada pelas fotos (não há fotos coloridas e a impressão é comum). A tour de 94 é praticamente ignorada, pois o foco do autor é a época Barrett e os anos de Waters (tipo, das 50 melhores músicas, apenas uma é da época após "Final Cut". Então, se tu já leste tudo, e curte mesmo fotos, certamente não vai ser útil ler a opinião de outro fã da banda com base nos mesmos livros que tu já deve ter lido (o cara ainda menciona edições de várias revistas com resenhas de cada lançamento/show/turnê). Mas por 30 pila, achei que valeu.
Vou pesquisar se acho esse "Inside Out", citado algumas vezes no rough guide.
Boa resenha. Também que o livro é bom, e certamente vale o preço. Apesar de como mencionaram acima, há outros melhores, o do Mason, e Echos de Glenn Povey.
A mim também sempre pareceu claro que o principal criador do grupo foi o R. Waters (além de óbviamente o grande letrista). Mas foi com o David Gilmour, Mason, e Write, que produziram a melhor música do século 20, sem concorrentes. Assim como os Beatles, a mágica do Pink Floyd estava no conjunto.
Além dos albuns que você mencionou, tb geniais são Atom heart mother e Animals. Mas para um fan como eu todos são geniais, inclusive "The Final Cut" que não me parece nada difícil de ouvir, e revela mais do que qualquer outro o drama pessoal de Waters (e talvez uma dose de Barrett). Coloco "The Final Cut" no mesmo nível que The Wall (apesar de Gilmour desprezar o album).
E se você não é tão fan do Pink Floyd, parabéns pela resenha e idéias. Sua única falha estética clara é não perceber a beleza do Corinthians. Mas o mundo é assim mesmo.
Abraços.
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