O set list para a turnê de “Hot in the Shade”, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, contou com o retorno de várias músicas antigas do Kiss, especialmente da época do primeiro “Alive” de 1975. Conforme Paul Stanley, isso teria reativado o sentimento de que o Kiss era uma grande banda, e que o material dos anos 1970 era superior ao praticado em meados dos anos 1980, e assim os shows com o novo repertório estavam melhores. A par disso, a banda emplacou o hit “Forever”, tinha bons singles (“Rise to It” e “Hide Your Heart”) e começava a se desvencilhar dos excessos dos álbuns anteriores (as composições de “Hot in the Shade” pareciam mais coesas e até o visual dos caras já não estava tão poser quanto em 1987). Tudo indicava uma excelente nova fase para a banda. Antes, porém, de entrar para o estúdio e gravar novo disco, houve a perda de Eric Carr em novembro de 1991. Alguns meses depois, com Eric Singer na bateria, o Kiss lançou o aclamado “Revenge”, o disco mais pesado desde “Lick it Up”, e partiu para uma turnê bem sucedida. Dessa turnê, com maior ênfase – ainda - no repertório antigo (poucas músicas dos anos 1980 foram executadas), saiu o terceiro disco da série “Alive”.
Na época em que ouvi “Animalize” estava curtindo muito mais o AC/DC. De toda maneira, depois de ouvir “Dirty Deeds Done Dirt Cheap”, virava a fita C-90 e tocava “play” no “Animalize”. Nas lojas de CD, em 1993, comecei a ver disponíveis o “Alive III” e o “Revenge”. Quando achei na locadora perto do Sévigné, onde agora se localiza a Boca do Disco, o “Alive III” imediatamente trouxe para casa. Do repertório do CD só conhecia “Heavens on Fire”, e da formação só me eram familiares a dupla Paul Stanley e Gene Simmons. Depois do almoço, cheguei em casa e ouvi o CD na íntegra, e imediatamente virei fã da banda. E até hoje considero o “Alive III” o meu álbum favorito de todos os tempos.
Geralmente se diz que o “Alive III” não é um bom disco do Kiss, e que fica longe de ser digno da série “Alive”, pois os dois primeiros volumes da série, sim, seriam verdadeiros clássicos. Uma das principais razões para essa reserva seria o fato de que, bem vistas as coisas, não se trata de um disco ao vivo. Sabe-se bem que a maior parte dos vocais foram gravados em estúdio, bem como muitas das guitarras e baixo foram ou gravadas em estúdio ou em passagens de som (não estou certo em relação à bateria). Esse argumento não subsiste quando se lembra que nem o “Alive!”, nem o “Alive II” eram genuinamente discos ao vivo (gravados em passagens de som com retoques em estúdio). Jamais li críticas em relação ao repertório: há os clássicos e as mais recentes, moderadamente dispostas nas 17 faixas do CD simples. Então me parece que é simplesmente o caso dos críticos, por alguma razão, “não terem ido com a cara” do “Alive III” (talvez pela formação não-clássica, pela ausência de Eric Carr, enfim).
Mesmo que se admita o fato de o “Alive III” não ser, propriamente, um disco ao vivo como se diz, isso não desmerece que o disco tem um baita som. As guitarras são vivas e com um timbre muito legal, com todas as músicas sendo executadas espetacularmente. Veja-se que as músicas velhas ganharam nova roupagem e dinâmica – em alguns casos superando as versões anteriores, e na maioria dos casos superando as versões de estúdio. Além disso, o disco contém os melhores registros de Gene Simmons e Paul Stanley no auge da forma. Convém destacar, desde logo, a performance do baterista Eric Singer: a execução é sem reparos, o cara é bastante criativo tanto na elaboração de material próprio (do disco “Revenge”) como na interpretação de material antigo. Gosto de reparar que não importa em que parte da música esteja, há sempre o pedal do hi-hat marcando o tempo como um metrônomo. Bruce Kulick, por seu lado, comprova a evolução experimentada desde “Revenge” e mostra que o cara se deu muito bem quando a banda resolveu adotar um som mais pesado: o timbre de Kulick está muito melhor que o da época anterior (há centenas de bootlegs de todas as épocas para comparar), e o guitarrista se livrou de muitas firulas que comprometiam algumas músicas dos discos de meados dos anos 1980, adotando alguns licks de Ace Frehley no material antigo (revisitando com categoria alguns solos, embora ao seu estilo) e incorporando pentatônicas e efeitos wah-wah nos solos.
O disco abre com “fade in” de um teclado climático que se resolve na abertura de “Creatures of the Night”. Sempre me intrigou o fato do tecladista Derek Sherinian (ex-Alice Cooper e posteriormente ex-Dream Theater) ser creditado nesse álbum, pois francamente além dessa introdução curta e, talvez, da última faixa “Star Spangled Banner”, não consigo ouvir os teclados em nenhuma faixa. Recentemente o cara esclareceu que durante a turnê ele ficava nos bastidores, tocando as músicas num teclado com timbre de guitarra, para preencher os vazios deixados pela guitarra base de Paul Stanley, enquanto este fazia suas conhecidas poses e malabarismos no palco (não necessariamente tocando guitarra ao mesmo tempo).
A minha música favorita do Kiss de todos os tempos é “Creatures of the Night”, assim como o melhor solo da banda é o dessa versão ao vivo (o da versão de estúdio, composta por Steve Ferris, também é espetacular). Os vocais de Paul Stanley são assertivos, os backing vocals bem afinados, o timbre das guitarras é, como em todo o álbum, vivo e dinâmico, e o solo de Bruce Kulick é perfeito. O guitarrista segue boa parte do solo original de Steve Ferris, interpretando-os a sua maneira, e não perdeu a oportunidade de agregar seus licks – assim, o solo é alguns compassos maior do que na versão do álbum “Creatures of the Night”. Curto até aquela ESP com formato Stratocaster que ele utiliza nessa faixa (foto no encarte do CD). Talvez eu seja o único cara que resolveu aprender a tocar violão/guitarra depois de ouvir o Bruce Kulick, e cheguei a essa conclusão só recentemente (mas é verdade: no verão de 1995 estava curtindo bastante o “Alive III” e num sábado resolvi pedir o violão). Não há o que não gostar em “Creatures of the Night”, e é uma das músicas que acho que jamais deveriam sair do set list.
O final de “Creatures (...)” já emenda com o início de “Deuce”, uma das composições mais antigas da banda, e que serve para mostrar o quanto Gene Simmons está mandando nos vocais (mais uma vez, e pela última vez, para mim é indiferente se esses vocais de Gene são de estúdio ou, de fato, ao vivo). Particularmente entendo que Eric Singer criou a levada de bateria perfeita e definitiva para essa faixa, e acho uma pena que o cara tenha se distanciado dela nos anos mais recentes. Aqui o solo de Kulick é competente mas genérico, embora muito melhor do que ele costumava tocar nas turnês anteriores. Fico com a “rhythm guitar” de Kulick e a “lead guitar” de Ace Frehley.
A banda estava promovendo o excelente “Revenge”, então mandou duas em seqüência, ambas com execução muito superior às truncadas versões originais: “I Just Wanna”, de Paul, com várias partes boas perfeitamente posicionadas (incluindo uma “a capella” com três vozes) e um refrão brilhante, talhado para a participação da plateia (“I just wanna f.../I Just wanna f.../I Just wanna ‘forget’-‘f*ck’ you”); “Unholy” é uma clássica de Gene do período mais recente, tendo sido composta numa parceria inusitada e (para mim até hoje) não muito esclarecida entre o baixista e o lendário Vinnie Vincent. Aqui o destaque é para Kulick, que reproduziu fielmente todos os seus solos da versão de estúdio (sem contar a introdução muito legal com o tema de “Tubarão”).
O bom do “Alive III” é ouvir com essa formação (Stanley, Simmons, Kulick, Singer – a minha favorita) e com esse som as músicas que não foram incluídas em nenhum dos anteriores “Alive”, i.é, as músicas posteriores a 1977. “Heavens on Fire” é um dos grandes hinos de Paul dos anos 1980, e a versão aqui é muito boa. O andamento da faixa é melhor do imprimido na época de Eric Carr (o lendário baterista costumava acelerar bastante todas as músicas do set list), mas ainda fico com a levada de Carr durante o refrão (ele era muito bom em criar esses riffs de bateria, se me é dado chamar assim).
O set list dessa turnê era enorme, contando com aproximadamente 24 músicas. Os anteriores “Alive!” e “Alive II” foram lançados em LPs duplos, e obedeceram a mesma fórmula quando passaram para CD – embora um CD de 78 minutos comportasse todo o material desses discos duplos, e todo mundo economizaria uma grana. Em 1993 a situação era diferente, pois 24 músicas caberiam em dois CDs de mais de 60min, e ninguém sairia lesado. Lamento até hoje a decisão dos caras de lançarem um disco simples com apenas parte desse material da “Revenge Tour”, deixando de fora algumas músicas que também tiveram execuções definitivas e perfeitas nessa época, mais precisamente, refiro-me a “War Machine”, “Tears Are Falling” e “Love Gun”: as duas primeiras são clássicos posteriores ao “Alive II” – e assim, não encontraram registro ao vivo oficial – e a última era executada com perfeição pela formação da época (é só ver no “Kiss My Ass” e no volume 3 do Kissology – tenho para mim que a versão de “Love Gun” dessa época é a melhor). Pois além destas terem lamentavelmente ficado de fora do CD simples, para mim resta inexplicável o critério de seleção de algumas das antigas. Seja como for, o fato é que “Hotter Than Hell”, “Firehouse, “I Want You”, dentre outras, sobraram, e para o “Alive III” coube “Watchin´ You”. A execução é primorosa, o solo de Kulick não é nota-por-nota de Frehley, e durante muito tempo curti bastante essa faixa... mas acho que o seu prazo de validade já expirou. Ficaria melhor alguma das já citadas.
Gene continua cantando na próxima, “Domino”, outra do “Revenge”. Trata-se de mais uma que ficou melhor que a versão original, e se beneficiou com as performances de Kulick e Singer. Ajuda o fato da composição ser boa, várias partes legais de guitarra.
Durante muitos anos o Kiss deixou de tocar “I Was Made For Lovin´ You”, e recuperou esse hit de 1979 na famigerada turnê japonesa do álbum “Crazy Nights” (conferir os bootlegs “Dr. Love´s House 1 & 2” e “Live in Japan ‘88”). A banda acertou em cheio na adição deste clássico de Stanley no repertório do “Alive III”, vez que é a última grande música da formação original e que jamais havia contado com uma versão ao vivo oficial. Assim como em “Deuce”, “I Just Wanna” e – mais adiante – “Take It Off” – gosto de prestar atenção na interação entre as duas guitarras, pois há partes diferentes para cada uma (como na época de Ace Frehley, cada guitarrista ocupa um lado do headhpone).
“I Still Love You” tem um clima solene e comovente, dada a interpretação da banda e, sobretudo, de Paul nos vocais e de Kulick nos solos de guitarra (o cara interpretou muito bem os solos da versão de estúdio de Robben Ford). Singer desempenha bem as levadas de bateria de Eric Carr, inclusive os rolos durante o refrão.
Geralmente “Rock and Roll All Nite” serve para encerrar as apresentações, mas na turnê do “Alive III” as coisas se deram diferentemente, pois o maior hino da banda ficava posicionado na intermediária do set list. Prefiro sem dúvidas essa versão do “Alive III” às versões original e do “Alive!”, com melhores vocais, guitarras e bateria (o baixo é igual). Kulick dá uma personalizada no solo, mas o faz de maneira a deixá-la ainda com cara de rock´n´roll como era costume de Ace Frehley. Parece-me que nessa época – de “Revenge” até “Carnival of Souls” – Bruce Kulick só tocava coisa boa.
“Rock and Roll All Nite” é curta e os caras fizeram bem de emendá-la com “Don´t want to wait ‘till you know me better” que inicia “Lick It Up”, outro clássico dos anos 1980 (o primeiro da fase sem máscaras). Sobre esta música, posso dizer que prefiro a versão da época de Eric Carr registrada ao vivo em Budokan, em 1988 (consta apenas um vídeo lançado em VHS no exterior e um trecho do show num disco bônus do volume 2 do “Kissology”; em áudio há bootlegs, dos quais já ouvi “Dr. Love´s House 1 & 2” – alugado na mesma locadora que peguei o “Alive III” e na mesma época – e o “Live in Japan” que adquiri há uns 10 anos na Multisom que ficava no Praia de Belas perto do Nacional por 10 pila – lamentavelmente não há a íntegra do show, faltando o magnífico solo de bateria de Eric Carr e “War Machine”). Em 1988, Paul Stanley estava com a voz no ápice (o cara podia cantar qualquer coisa em qualquer registro em qualquer show), e nos shows no Japão os caras estavam mandando muito bem. A versão do “Alive III”, porém, não deixa de ser competente, e fica bem num andamento não tão acelerado como o que Eric Carr costumava empregar.
Considero “Forever” a melhor balada do Kiss, e a versão de “Alive III” é a definitiva (embora a de estúdio valha por conter os rolos de bateria de Eric Carr no refrão). A essas alturas já é possível eleger Kulick como o MVP do disco, tendo em vista mais um solo – dessa vez no violão - executado com perfeição.
Ainda há espaço no set list para música nova: Paul Stanley faz o chamamento para “Take It Off”, que tem afinação das guitarras um tom abaixo, mas nem se percebe o peso extra – afinal, é rock´n´roll (hard rock) e não heavy metal. No vídeo “Konfidential”, com registros dos shows sob a trilha sonora do “Alive III”, a parte na qual é executada “Take It Off” é um dos pontos altos pela presença das divertidas dançarinas que acompanharam aquela parte da turnê (no Brasil, em 1994, os caras repetiram a experiência, com resultado irregular, digamos assim).
A partir daí, só hinos: “I Love It Loud” é uma das melhores composições de Gene Simmons, e a execução, inclusive da bateria – tenho de admitir – é muito melhor que a versão original. O refrão é matador, as vozes estão perfeitas, e há até um pequeno lick de baixo entre as partes “(...) Right between the eyes” e “Loud, I wanna hear it loud (...)”. Gosto mais desta do que de “Rock and Roll All Night”. E Eric Singer faz um belo trabalho na conhecida levada de bateria de Carr (pequena alteração nos primeiros compassos).
Nunca ouvi uma versão tão pesada e forte para “Detroit Rock City” como em “Alive III”. Os vocais de Paul são assertivos e até as pausas entre os versos são climáticas. A levada de Eric Singer carrega a música melhor do que os bateristas que lhe precederam. Do jeito que ficou no “Alive III”, é melhor ouvi-la no final do show do que na abertura, como ocorreu em várias turnês de várias épocas.
“God Gave Rock´n´Roll To You II” segue o tom de despedida, com a mensagem do título. Essa versão ficou muito melhor que a original de “Revenge”. A introdução foi cortada, e a música entra direto no tema de guitarra com a melodia do refrão. E os trabalhos encerram com uma rendição de “Star Spangled Banner”. Diferentemente do que se poderia supor, os caras não caíram no crime de imitar Jimi Hendrix; pelo contrário, fizeram um arranjo próprio, valorizando a bonita melodia do hino norte-americano.
“Alive III” é meu disco favorito de todos os tempos, pois é perfeito em todos os aspectos: interpretações, som, repertório. Lamentavelmente, os caras perderam a oportunidade de lançar um disco duplo com todo o set list da época, para imortalizar a formação. Tenho grande interesse por todo o material produzido no período, e pelo que já ouvi as performances diferiam pouco do que acabou registrado no CD (o “Konfidential” é bom, mas a trilha é a do “Alive III”, sendo um dos DVDs do volume 3 do “Kissology” o melhor parâmetro, pois contém a íntegra de um dos shows que teria cedido material para o “Alive III”). Depois de “Alive III”, a formação Stanley, Simmons, Kulick e Singer não teve muito tempo para aproveitar a fase produtiva: saíram um disco de estúdio rejeitado pela própria banda após a confirmação do retorno da formação original com as máscaras (o superpesado “Carnival of Souls”), bem como um acústico ao vivo que serviu como prévia da reunião vindoura (o excelente “MTV Unplugged”). Eric Singer ainda voltou substituindo Peter Criss nas suas ausências e após sua demissão, ao passo que Bruce Kulick não foi mais chamado (para o seu lugar, e para vestir a máscara de Ace Frehley, assumiu Tommy Thaier). Em todo o caso, essa formação veio ao Brasil em 1994, conforme documentado pela MTV na época (era o Monsters of Rock em São Paulo, e estava assistindo em casa, na esperança de que fosse transmitido o show – tocaram apenas a primeira música, “Creatures of the Night”; algumas músicas apareceram posteriormente num melhores momentos, e recentemente o show foi disponibilizado quase na íntegra num dos bônus do volume 3 do “Kissology”).
Um comentário:
Também guardo enorme apreço por este album. Foi o responsável por me tornar fã do Kiss (fita K7 emprestada pelo Pedro) e me colocar na pilha de querer ser músico.
Acho que um dia tinhamos de fazer o show Kiss cover definitivo e achar um guita solo e um puta vocal pra recriarmos este disco num palco! hehe
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