sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Resenha de CD - Megadeth “Endgame” (2009)


Os sites de notícias de heavy metal nos abasteceram regularmente com notícias atualizadas dos passos de Dave Mustaine em direção ao lançamento de um disco novo do Megadeth. A isso contribuiu significativamente a disponibilidade do cara para utilizar a internet como canal para suas inquietações. Então, há mais de um ano que acompanhamos todos os detalhes a respeito do que viria a ser “Endgame”, e desde logo se plantou a ideia de que seria um disco espetacular, que superaria todos os anteriores da discografia da banda, e que a nova formação era a melhor de todas as épocas do Megadeth, e que o novo guitarrista era muito superior ao Marty Friedman. Nas vésperas de lançamento do disco, as notícias eram diárias. E junto com isso, cresceu o interesse dos jornalistas pelas manifestações de Mustaine. Todas as opiniões infames, os comentários ácidos, e as brigas notórias são de conhecimento geral e são antigas: não há nada novo a respeito da saída de Mustaine do Metallica, sua mágoa com Lars Ulrich, o depoimento no vídeo “Some Kinda Monster”, suas desavenças com os guitarristas anteriores do Megadeth (Chris Poland e Jeff Young), a composição de “In My Darkest Hour” no luto da perda de Cliff Burton, dentre outras. Mas por alguma razão todas essas questões foram trazidas de volta e formaram parte do cenário de lançamento de “Endgame”. Parece um jogo: Mustaine não se treme e curte detonar todo mundo e depois fazer discursos pacíficos e glorificantes; os jornalistas, sabedores disso, aproveitam-se – e não há mal nisso se o entrevistado colabora - para colocar na roda todos esses assuntos e compilar declarações bombásticas; Mustaine curte essa repercussão. Sei de tudo isso e, francamente, não dou a mínima (não aumenta nem diminui meu interesse pelo Megadeth, que vem desde 1995), mas a repetição da ladainha é enfadonha. Seria bem melhor tratar apenas do lançamento de “Engdame”, o novo álbum do Megadeth, um disco muito bom que recolocou a banda em merecida evidência ao lado de outras bandas consagradas (Metallica, Slayer) e também das novatas. Mas isso talvez seria simplificar demais as coisas, e deve ser melhor em termos de marketing pessoal e vendas em geral reativar alguma polêmica adormecida.

O que particularmente me incomoda é a disposição de Mustaine, manifestada a partir da remasterização do catálogo do Megadeth, de minimizar a contribuição de Marty Friedman, David Ellefson e Nick Menza (integrantes da melhor, mais conhecida e mais talentosa formação da banda). Desde 1995, quando comecei a acompanhar a banda, olhando para os créditos das músicas, os encartes, vendo os shows e ouvindo as músicas, sempre ficou claro para mim que Dave Mustaine era o manda-chuva do Megadeth, que a banda existia por sua conta e ao seu redor, e que o Megadeth fazia o som que fazia e vendia os discos que vendia em grande parte por causa de Mustaine. Os demais músicos são excelentes e tudo mais, só que jamais pensei que houvesse contestação a predominância de Mustaine. Pois o cara resolveu dizer com todas as letras o que era óbvio nas entrevistas e nos encartes dos CDs remasterizados, com dispensáveis comentários irônicos, e sugerindo que a mudança de som a partir de “Youthanasia” (sobre esse disco essencial escrevi aqui) – ápice foi com “Risk” – devia ser imputada aos seus “comandados”, especialmente Friedman, sem prejuízo, é claro, de sua obstinação em fazer um disco “n.º 1” no Top 200. Acho isso gratuito (não leva a nada) e desnecessário (não tem razão de ser). Dave não precisava escancarar certas coisas e diminuir a importância de certas pessoas para enfatizar ainda mais o que todo mundo já sabe: Dave Mustaine é o cara.

Afinal, se há certo consenso de que Mustaine é um grande mala do heavy metal (tanto quanto Lars Ulrich), não há dúvidas, por outro lado, que se trata do melhor guitarrista de heavy metal à exceção de Tony Iommi (James Hetfield estaria no mesmo patamar, para não ser obrigado a dizer que um é melhor que o outro). “Como ele consegue tocar riffs tão complicados na guitarra e cantar ao mesmo tempo?”. Ele diz que pratica bastante em casa, e talvez a receita seja essa mesma. Alguns dos riffs do Megadeth, se não definitivos como muitos do Black Sabbath, são magníficos e únicos. “Que outra banda toca riffs como o Megadeth?”. Fato é que o Megadeth é uma das minhas bandas favoritas (só não comprei, ainda, o primeiro disco) e estava acreditando mesmo que “Endgame” seria um disco espetacular.

Mustaine defendeu nas várias entrevistas divulgadas nos sites especializados, dentre outras, as seguintes teses: (a) “Endgame” é melhor que “Death Magnetic” (clique aqui para ler sobre o disco do Metallica); (b) “Engame” é o melhor desde “Rust in Piece”, e possivelmente melhor que este; (c) Chris Brodderick é melhor que Marty Friedman; logo (d) é despiciendo cogitar da reunião da formação de “Rust in Piece” se a atual é muito melhor e é capaz de fazer discos melhores. Afora essa última, que nem me passou pela cabeça (embora não seja má ideia daqui a alguns anos, numa “Reunion Tour” – agora não é o momento, ainda), discordo integralmente, conforme segue:

(a) “Endgame” é um bom disco do Megadeth. Voltaram os riffs – alguns são muito bons – e alguns momentos são bem dinâmicos, como se espera do Megadeth. Mas Mustaine gerou uma expectativa tão grande que ficou difícil de atender. E só por “All Nightmare Long” e “Broken, Beat and Scarred”, “Death Magnetic” é melhor que “Endgame”.

(b) “Endgame” é um disco muito bom do Megadeth, mas não supera “Rust in Piece”, nem “Countdown to Extinction” (este é mais um disco essencial, sobre o qual escrevi aqui). Possivelmente seja melhor do que “Youthanasia” (apesar de não contar com músicas tão boas quanto “Train of Consequences” e “Reckoning Day”). Acredito que seja mais do estilo dos discos mais recentes, como “United Abominations”. Por mais que diga o contrário, Mustaine mudou seu método de composição, tanto quanto outras bandas o fizeram (tipo o Dream Theater) para agregar refrões cativantes para a galera nova cantar. Essas bandas com mais de 20 anos de estrada contam com fãs mais novos, que cresceram ouvindo bandas de nu metal. Então, se o Linkin Park faz refrões gritados e marcantes, o lance é incorporar isso. Mustaine não grita nos refrões como LaBrie (ver “The Count of Tuscany” do último disco do Dream Theater, cuja resenha segue aqui), mas se esforça para inserir refrões melódicos em todas as músicas. E aí lembro de músicas como “Holy Wars” que não têm refrão, e de outras como “Symphony of Destruction”, “Train of Consequences”, “Tornado of Souls”, “Skin O´My Teeth” que têm refrões muito legais, marcantes, e não óbvios. Além disso, entendo que faltam riffs contundentes de bom, como o de “Kick the Chair”, que considero o último riff espetacular de Mustaine.

(c) Chris Brodderick fez um excelente trabalho em “Endgame”. Aqui Mustaine não exagerou quando falou demoradamente sobre a técnica do guitarrista novato. O cara é fluente nas técnicas mais importantes de guitarra – alguns arpejos com sweep picking são realmente invejáveis e de tirar o fôlego. Mas é a tal da história de que não adianta uma técnica imaculada se falta “atitude”. Particularmente, acho os solos de Friedman mais memoráveis, como em “Hangar 18”, “Tornado of Souls”, “Symphony of Destruction” e “Train of Consequences”. Há uma identidade nos solos de Friedman, aliada à dificuldade técnica (o cara tem um jeito bem peculiar de segurar a palheta). Brodderick pode ter técnica mais refinada, entretanto não supera o “carisma” de Friedman.

O disco inicia com uma faixa instrumental, exatamente como “So Far, So Good, So What”. O motivo é bem simples (A-C-G-F), sobre o qual são executados uma série de solos de Mustaine e Brodderick. Se o primeiro é mais blueseiro pelas pentatônicas, o segundo já manda ver nos arpejos com sweep picking e na eficiente palhetada alternada. “Dialetic Chaos” serve apenas como uma introdução para coisas muito melhores que virão no decorrer da audição de “Endgame”. “This Day We Fight” é a primeira música, propriamente dita, e já começa com os versos. O riff sobre o qual Dave canta é do tipo complicado que só ele consegue compor, além de tocar e cantar simultaneamente. A estrutura da faixa é mais familiar da época de “So Far (...)” e “Peace Sells (...)”. Trata-se de uma música muito boa, com andamento bem acelerado, como convém no início de um disco de heavy metal. Há alguns solos muito bons de Brodderick.

A audição parece promissora, mas faixas como “44 Minutes” me fazem lembrar o clima dos discos mais recentes, como “United Abominations”. Os versos são bem batidos, com as guitarras tocando uns acordes acentuados e com pausas. O refrão é bem construído nos vocais; as guitarras, porém, contam com camadas excessivas (geralmente não funcionam tantas coisas distraindo a atenção ao mesmo tempo). No final sobre um riff simples de heavy metal, Chris Brodderick arrebenta com uma sequência de arpejos bem rápidos, impecavelmente executados. O cara começa a mostrar que manda bem na guitarra.

“1.320” começa ao estilo de músicas do “So Far (...)” e mesmo de “Rust in Piece” ("Poison Was the Cure"), com um riff utilizando a 5.ª corda solta, e hammer-nos e pull-offs rapidíssimos. Há diferentes bases para os versos, um longo chorus, mais solos e voltam os versos. Há espaço para solos ainda mais incandescentes, sobre uma base que varia sobre dois motivos similares, para marcar a mudança de guitarrista simplesmente. Aqui Mustaine poderia ter sofisticado um pouco mais, como “Hangar 18”. De qualquer maneira, achei muito legal a faixa terminar com um arpejo de Broderick.

“Bite the Hand” é o tipo de música que Mustaine faz com as mãos atadas nas costas, sobretudo pelo riff quase old school durante os versos (seria o riff de "Skin O´My Teeth" invertido). Nos solos é tão old school que lembra Iron Maiden - o riff da base tem as guitarras harmonizadas. "Bodies" é outra que não deve ter dado trabalho para Mustaine compô-la, dada a estrutura totalmente previsível; as coisas só melhoram quando a música dá uma acelerada no final.

A faixa-título é o melhor exemplo para demonstrar o quão é bom o timbre das guitarras nesse álbum, sobretudo nos momentos em que os guitarristas alternam palhetadas com e sem as cordas abafadas. A música tem várias partes boas, e o refrão é bem legal, com uma cavalgada discreta ao estilo Maiden.

Em "The Hardest Part of Letting Go: Sealed With a Kiss", há um dedilhado com acompanhamento orquestrado pomposo no início, sobre o qual Mustaine tenta cantar o mais melódico possível, alcançando até uns graves que ele provavelmente não consegue repetir ao vivo. O que vem em seguida, com as guitarras distorcidas, também não impressiona, e a música é uma das mais fracas do álbum.

Segue-se uma faixa bem rápida, "Headcrusher", que é o primeiro single. Achei bom o riff de abertura, mas entendo que ficou em segundo plano devido ao destaque de um tema despiciendo de guitarra. O riff dos versos é simples e eficiente, e o riff do refrão é simples e uma paulada na orelha: apenas as notas E e F# palhetadas rapidamente num padrão sincopado. A melhor parte de "How the Story Ends", que tem um riff com praticamente a mesma levada de "Kill the King" (do Megadeth, não do Rainbow), é o refrão: é apenas uma sequência de acordes, e o destaque é todo da melodia dos vocais. A base do solo é praticamente igual a alguma música do "Coundown to Extinction", e serve de palco para Brodderick exibir mais uma vez sua proficiência nos arpejos de várias cordas com sweep picking.

"The Right to Go Insane" é a única na qual o baixo se destaca de alguma forma, pois inicia a faixa. O riff dos versos é do tipo locomotiva que Mustaine sabe fazer muito bem com as cordas abafadas. No entanto, parece que o cara estava com preguiça de encaixar os vocais nos versos (o andamento lembra alguma coisa de "Cryptic Writings"), e ainda andou pelo caminho mais fácil na hora de compor o refrão.


O disco todo foi registrado na afinação padrão, e a esse respeito a melhor revista de guitarra do mundo, não por acaso chamada Guitar World, edição de dezembro/2009, conseguiu, dentre outras, um precioso depoimento de Dave Mustaine: "GW: A trademark of your guitar sound is the fact that you almost play in standard tuning. You don´t drop-tune, which is de rigueur for metal acts these days. MUSTAINE: I feel that the guitar needs to be tuned to A440 so you can get the correct response out of it. And I believe that if you play some of those low-tuned songs on a guitar in standard tuning, you´ll hear that a lot of them don´t have good melodies. It becomes almost atonal and percussive. (...)". A mim parece que Mustaine está totalmente correto; por outro lado, há casos em que é muito bom um riff "atonal and percussive", e talvez o ruim seja basear-se exclusivamente nisso (o bom é variar nos riffs).

Além disso, Mustaine revela que pretende registrar mais um disco de estúdio, e depois dedicar-se a outras coisas com música, especialmente se não puder headbang nos palcos, como conduzir clínicas de heavy metal. O jogo ainda não terminou, portanto.

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