Bom é encontrar um bom livro que sequer sabíamos da existência. Foi essa reação que tive quando encontrei na Cultura por uns 30 pila essa compreensiva e atualizada biografia de uma das minhas bandas favoritas. Como é de rigor, a obra cuida desde os primórdios da infância dos principais integrantes do Metallica até parte da turnê do disco “Death Magnetic” de 2008. No decorrer das páginas, o autor debulha alguns assim chamados mitos em relação a banda, como “Metallica foi a primeira banda de thrash metal e 'Kill´em All foi o primeiro disco de thrash metal”, “Metallica se vendeu e a prova foi a guerra contra o Napster e os discos 'Load' e 'Reload'”, dentre outros.
Ao invés de ler capa-a-capa, não contive a curiosidade e parti direto para o capítulo da época de “...And Justice For All” e os seguintes, pois trata-se da minha fase favorita da banda, ao contrário da grande maioria dos fãs antigos do Metallica. Desde logo percebe-se que o autor soube utilizar seu amplo arquivo de entrevistas de várias pessoas ligadas à banda ou envolvidas com o som pesado. Algumas vezes ficou monótona a leitura de páginas e páginas de transcrições de entrevistas, com repetições de raciocínios e tudo mais. No geral, porém, prevalece a incrível facilidade da leitura, sendo certo que na maior parte do tempo o autor acertou a receita de inserir as falas dos entrevistados no decorrer do texto. Esses depoimentos, muitas vezes colhidos na época dos fatos, contribui para conferir autenticidade e dinamismo ao discurso do escritor. Com riqueza de detalhes, são expostos o recrutamento de Jason Newsted logo após a perda de Cliff Burton, a primeira turnê no Japão, a gravação de um disco de covers, a gravação de “...And Justice for All”, a polêmica da inaudibilidade do baixo nesse disco, a turnê subsequente, a contratação de Bob Rock (pelo fato deste ter conseguido um som tido como magnífico com um disco do Mötley Crue), a gravação e a turnê subsequente do “Black Album”, a gravação dos polêmicos “Load” e “Reload”, o embate com o Napster, o período turbulento que culminou com “St. Anger”, e a volta com “Death Magnetic”. Alguns fatos já me eram conhecidos, mas o autor trouxe vários esclarecimentos e novas perspectivas para coisas que ainda me causavam inquietação. Parece-me, agora, mais coerente que os caras tenham baixado a bola após o “Black Album” para compor o “Load/Reload”, sendo que o autor defende a ideia de que os caras não se venderam (para fazer um som mais comercial), e sim que se tratou de uma tentativa de se reinventar e fazer músicas que fossem divertidas de tocar, e não simplesmente repetir padrões já consolidados nos clássicos álbuns anteriores. Não me parece que o autor tenha se desincumbido da tarefa de justificar a questão com o Napster, apesar do esforço do raciocínio – válido, em todo o caso – de desvincular a banda de questões meramente financeiras nesse aspecto. O autor não esconde que é um grande fã do Metallica, e isso fica muito claro quando coloca suas reservas em relação ao “Black Album” e quando trata de “Load”, “Reload” e “St. Anger”: o cara não mede palavras para dizer o quanto acha determinadas músicas muito ruins e fracas, e muitas das opiniões sobre as músicas de “Load” estou de acordo, diferentemente dos casos de “Reload” e “St. Anger”. Afinal, o autor é fã das músicas tipicamente thrash metal da banda, como são os casos de “Battery” e “Damage Inc.”, as quais jamais tive grande interesse (sempre curti as mais cadenciadas tipo “Sad But True” e até “Leper Messiah”, sem prejuízo de “Wherever I May Roam” e “Blackened” e “Harvester of Sorrow, mas para fins de pesquisa tenho dado atenção a essas faixas mais rápidas e brutais).
De volta para o início do livro, é dedicada mais atenção a Lars Ulrich do que a qualquer outro integrante. E parece que é o baterista que tem a história mais interessante, e tudo sugere para que o cara tenha o crédito de ser grande responsável pelo início das atividades da banda (o seu papel no desenvolvimento e crescimento para o sucesso já não é tão enfatizado). Lars é o tipo de cara que é fácil dizer que “é um babaca”, ou coisas do tipo. Afinal, o dinamarquês fala pelos cotovelos e gosta de emitir opiniões e muitas vezes gosta de aparecer mesmo (o famigerado “marketing pessoal”), inclusive para admitir que não é um grande baterista. Mas todos nós tivemos um amigo do tipo que fala o tempo todo e sempre inventa histórias mirabolantes do quanto vai ser bem sucedido e tal. Pois Lars era esse tipo de cara, antes da formação do Metallica: o cara enchia o saco de todo mundo, mas tinha facilidade para relações interpessoais, curtia bandas boas de som pesado, e divulgava o sonho de montar uma banda própria, apesar de sequer saber tocar o instrumento. É o tipo de cara que não se leva a sério depois de determinado tempo. E tem pessoas que realmente ficam na promessa. Outras passam do discurso para a ação, e Lars é desse último time. Quando viu a oportunidade para contribuir com uma faixa para a conhecidíssima coletânea “Metal Massacre”, o cara reportou-se a James Hetfield, e a partir daí registraram “Hit The Lights” e partiram para a consolidação do Metallica.
Os anos iniciais da banda são cuidadosamente retratados, e o autor oferece como bônus (para mim) um panorama do próprio thrash metal, facilitando a compreensão do que significa o termo e sua relação com outros do tipo black metal, death metal, speed metal, dentre outros. Aparentemente, tudo começou com Venom, e as bandas, a partir daí, disputavam para ver quem era a mais pesada e rápida. O Metallica eventualmente consolidou uma posição destacada, graças à precisão dos riffs de James Hetfield. Para mim nunca ficou bem claro o quanto Dave Mustaine participou da banda, e parecia impressionante o argumento de Lars de que Dave ficou nove meses na banda e não tocou em nenhum álbum de estúdio do Metallica. Entretanto, Dave compôs parte não desprezível do repertório inicial da banda, e se de um lado não ficou até a gravação de “Kill´em All”, de outro o cara era o guitarrista solo na lendária demo “No Life ´Till Leather”. Bem ou mal, Mustaine esteve presente em momentos fundamentais da fase inicial do Metallica. Seja como for, particularmente, entendo que os caras se deram bem ao decolar da base thrash metal e evoluir no seu próprio estilo de heavy metal, e talvez tenha sido isso o que diferenciou e destacou o Metallica das demais bandas contemporâneas como Anthrax, Testament, Exodus e o próprio Slayer, que é a única banda que ostenta um culto similar, mas que jamais conquistou vendas tão expressivas ou mesmo a agregação de fãs não exclusivamente metaleiros.
A leitura é muito fácil e informativa, e suas 400 páginas correm com fluência. Resta-nos ouvir com renovado interesse a discografia da banda (especialmente o “Death Magnetic”, mas sem prejuízo do “Master of Puppets”, o “Ride the Lightning” e o “...And Justice For All”, sobretudo no nosso caso, quando se avizinha a confirmação da apresentação do Metallica em Porto Alegre.
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