Em 1977 o Kiss experimentava o auge da fama de maior banda de rock, iniciado com “Alive!” e consolidado com “Destroyer”, passando por um disco sólido “Rock and Roll Over”. O Kiss Army já era ativo, bem como as centenas de itens comercializados envolvendo a banda (lancheiras, borrachas com o formato das máscaras, jogos diversos, maquiagem, etc.). Para coroar esse momento, a banda lançou um disco excelente, com composições boas e consistentes do início ao fim. A turnê subsequente foi muito bem sucedida, e resultou no segundo volume da série “Alive”. Por outro lado, o disco pode ser considerado como o início do fim, pois a partir daí as desavenças internas não mais seriam pacificamente resolvidas até que, eventualmente, parte dos integrantes da formação original deixassem a banda.
Depois de ouvir “Animalize”, “Alive III”, e o bootleg “Dr. Love´s House 2” (disponível numa locadora perto do Colégio Sévigné, onde atualmente se localiza a Boca do Disco, na Mal. Floriano), adquiri numa Multisom do Iguatemi (a mais perto de onde ficava a extinta Banana Records) um CD importado do Kiss por uns 30 pila: os disponíveis eram “Dynasty” (melhor capa), “Hot in the Shade” (só conhecia “Forever”) e “Love Gun”, e escolhi este último exclusivamente pelos comentários favoráveis das revistas dedicadas ao Kiss que comprei na época (agosto/setembro de 1993) pois desconhecia todas as faixas (como curiosidade, o CD que adquiri veio com um encarte sobressalente).
Desde logo curti bastante a faixa de abertura, “I Stole Your Love”, pois gosto de músicas com bons riffs de guitarra. O próprio Paul Stanley admitiu que seria uma homenagem talvez inconsciente a “Burn” do Deep Purple. É a melhor do disco e ainda fica muito bem nos repertórios ao vivo atualmente. É das minhas favoritas até hoje.
É curioso como “Love Gun” é um dos poucos discos nos quais Gene Simmons compôs mais faixas do que Paul Stanley. O baixista mandou “Christine Sixteen” (clássica muito boa), “Got Love For Sale” (excelente, bem obscura na discografia da banda – acho muito bom o riff com a nota pedal em A), “Almost Human” (é outra obscura, mas algumas bandas já fizeram cover – tem um clima meio viajante pelos flangers e phasers, e me lembra um pouco Hendrix) e “Plaster Caster” (muito boa, sobre uma groupie, e até hoje me surpreendo positivamente pelo fato da banda ter tocado essa em versão acústica no disco “MTV Unplugged” – talvez tenha sido a última vez que eles me surpreenderam musicalmente). Simmons divulgou oportunamente que utilizou a dupla Eddie e Alex Van Halen para as demos de “Got Love For Sale” e “Christine Sixteen” (diz-se que Ace Frehley reproduziu fielmente o solo de guitarra de Eddie Van Halen nesta última).
Stanley, por sua vez, compôs a música que até hoje o cara admite como sendo uma de suas favoritas do repertório da banda: “Love Gun”, a faixa-título. Particularmente, não é a melhor da banda, nem de Paul, mas entendo o porquê do cara se orgulhar de tê-la composto integralmente (inclusive a levada da bateria, com exceção do solo de guitarra). De fato, é um clássico da banda que – acredito - integrou o set list de todas as turnês desde então. Alguém já apontou que “Tomorrow and Tonight” foi uma tentativa para criar um hino como “Rock and Roll All Night”, e de fato a música tem um bom refrão, mas é um rock genérico. A última faixa é um cover cantado por Stanley: “And Then She Kissed Me”. Já li resenhas desfavoráveis dessa faixa; particularmente, acho bem legal e oportuna.
“Love Gun”, o disco, se notabiliza por contar com a primeira contribuição vocal de Ace Frehley num disco do Kiss. O guitarrista já havia composto algumas músicas, mas por falta de convicção acabava deixando outro cantar em seu lugar (“Parasite” é o caso mais notório). Por alguma razão isso mudou em 1977, e Ace resolveu cantar “Shock Me”, e acredito que essa é a composição que melhor define o guitarrista, pois além do vocal competente, o cara mandou um solo de guitarra magnífico. Ace costuma dizer que seu estilo é uma mistura de Page, Clapton, Hendrix, Townsend e Richards, e todas essas influências aparecem no solo de “Shock Me”. Todos os licks são bem executados e encaixam perfeitamente na música. Não por acaso se diz que Ace Frehley é um dos maiores exemplos de guitarrista que consegue compor solos que são tão identificáveis quanto os refrões das músicas (já li uma coluna do Marty Friedman para a Guitar World em 1994 sobre isso – o ex-guitarrista do Megadeth comentou que se ouvíssemos só o solo de Ace já identificaríamos a música respectiva, o que é inteiramente verdade).
Desde o primeiro álbum que Peter Criss canta pelo menos uma faixa, e no caso de “Love Gun” o baterista contribuiu com “Hooligan”, um rock bem ao seu estilo de então.
Um disco de rock com composições clássicas (a faixa-título, “I Stole Your Love”, “Christine Sixteen”) ou muito boas (todas as demais) fazem de “Love Gun” um dos melhores da fase mascarada do Kiss, e o último gravado pelo quarteto da formação original. A banda embarcou numa turnê bem-sucedida, lançou mais um disco ao vivo (“Alive II”, com algumas músicas novas de estúdio) e, mais importante, cedeu aos vícios de poder e fama: cada um reivindicava para si o sucesso da banda, o que acarretou o lançamento simultâneo de quatro discos solo. Peter Criss não mais participou das gravações de bateria, e todos esses fatos culminaram com a saída do baterista em 1980 e de Ace Frehley em 1982.
Nenhum comentário:
Postar um comentário