Em 1996 ainda estava no começo da era da internet, então ainda havia chances de chegar numa loja de CDs e encontrar de surpresa um disco lançado recentemente. Foi assim que, na Colombo do Praia de Belas (na época essa loja vendia CDs, além de eletrodomésticos) deparei com o “Purpendicular”, então novo disco do Deep Purple, lançado em 1996, com nova formação: Steve Morse assumiu a guitarra no lugar de Ritchie Blackmore, na formação que se chama de Mark VI (Gillan, Glover, Lord, Morse, Paice). Sabe-se que Blackmore deixou definitivamente o Deep Purple em 1993, no decorrer da turnê de divulgação do “The Battle Rages On”. A banda encontrou um substituto temporário para datas europeias e japonesas: Joe Satriani se encarregou das 6 cordas e foi convidado para ingressar em caráter definitivo. Satriani, no entanto, esclarece que havia recém lançado um disco muito bem recebido – “The Extremist” de 1992, com o hit “Summer Song” -, tinha uma carreira solo já consolidada, e com pouca disposição para, naquela época, abrir mão da autonomia duramente alcançada (a gravadora lhe dava suporte – Sony) para trabalhar em equipe numa banda consagrada. Pesou, ainda, e talvez mais decisivamente, o fato de ser o substituto de Ritchie Blackmore. Diz-se que Steve Vai aconselhou Satriani a não assumir essa bronca, e acho que é mais ou menos o tipo de raciocínio: se desse errado e Satriani não fosse bem aceito pelos fãs do Deep Purple, ou a banda fizesse composições medíocres, então o cara ficaria com filme queimado e teria dificuldades para retomar sua carreira solo. Hoje em dia é muito mais comum que as agendas permitam breves encontros, de maneira que nem a carreira solo de Satriani seria prejudicada, nem as atividades rotineiras de turnê do Deep Purple seriam interrompidas, vez que muitos músicos desenvolvem atividades em mais de uma frente nos intervalos de outras tidas como prioritárias (é o caso, v.g., do baterista Chad Smith, que tocou com Glenn Hughes e agora se juntou ao próprio Satriani para formar o Chikenfoot, sempre nos hiatos das gravações e turnês do Red Hot Chilli Peppers – é a maneira de músicos prolíficos se manterem em permanente atividade, o que é salutar). Não sei se outros guitarristas foram considerados, mas o fato é que em 1996 nem sabia que Steve Morse havia ingressado, muito menos que a banda estava para lançar disco novo. Então pedi para ouvir na loja esse “Purpendicular” e me decidi pela aquisição quando ouvi a parte de “Cascades: I´m Not Your Lover” na qual Lord e Morse executam rápidos arpejos em alta velocidade, sabendo-se como se sabe que Morse palheta todas as notas, e o faz alternadamente para-cima-e-para-baixo (ao invés de utilizar-se da técnica do “sweep picking”, que facilitaria a execução desse tipo de arpejo nessas condições).
Como é intuitivo, o álbum com Steve Morse é diferente do material que estamos acostumados com Blackmore. O talento de Morse, no caso, foi de agregar suas influências e fazer um disco do Deep Purple tão bom quanto ao de alguns da época do Mark II. As guitarras soam mais modernas pois (a) Morse utiliza guitarras com humbucker, que propiciam timbres mais encorpados que os de Fender Stratocaster utilizados por Blackmore, e (b) Morse utiliza técnicas refinadas como a já mencionada palhetada alternada, além dos harmônicos artificiais executados com a ponta dos dedos da mão que segura a palheta. Além disso, são incorporados violões de cordas de aço além de orquestrações com bastante melodia (o maior exemplo é "The Aviator").
“Vavoom: Ted the Mechanic” é um bom exemplo de riff com a marca de Steve Morse, devido à palhetada, ao abafamento das cordas em momentos certeiros, além dos harmônicos artificiais (na abertura, pelo que pude ver dos vídeos no youtube, toca-se na guitarra com o polegar e indicador da mão direita, e não com a palheta). A letra é de Gillan e ele diz que foi motivada em conversa com um mecânico, na qual ouviu muitas histórias fantásticas.
Talvez a mais conhecida desse álbum seja “Sometimes I Feel Like Screaming”. Nos anos 1990 o Deep Purple dedicou-se a sucessivas turnês e ao lançamento de álbuns ao vivo. Só que os repertórios são previsíveis e geralmente são tocados apenas algumas poucas faixas do disco que dá ensejo a turnê, ficando as do disco anterior esquecidas na turnê anterior. Pois essa “Sometimes I Feel Like Screaming” é das poucas que resistem ao tempo e volta e meia aparecem no set list. Aqui Morse executa uma melodia muito bonita no violão e na guitarra por diversas vezes nos seus 7min e meio de duração. A música inteira é muito bela, com partes expressivas.
Particularmente gosto das música mais agitadas do Deep Purple (geralmente Ian Paice brilha nas levadas de bateria nessas condições), então achei que “Cascades: I´m Not Your Lover” é uma das melhores, sobretudo pelo já mencionado dueto de Morse e Lord na parte de arpejos em alta velocidade. Nas demais, Morse explora licks e solos melódicos: "Loosen My Strings", que tem uma levada diferente no baixo de Roger Glover; "Rosa´s Cantina" tem um groove que há muito não aparecia em discos do Purple (acho que desde o Mark IV); "A Castle Full of Rascals" com várias partes, agressivas ou lentas, que lembram a época do "Fireball"; "A Touch Away" tem uma introdução com belas participações de Steve Morse (riff sofisticado) e de Jon Lord (complemento sofisticado com um tema); "Hey Cisco", que é das rápidas, e tem mais duetos em alta velocidade de Morse e Lord; o mais próximo de um riff típico de hard rock é o de "Somebody Stole My Guitar".
O ingresso de Steve Morse parece ter pacificado definitivamente as coisas no Deep Purple, que finalmente conseguiu estabilizar sua formação (apenas Jon Lord saiu amigavelmente, dando lugar a Don Airey), lançando discos regularmente, e desde então em turnê pelo mundo, como uma banda com tantos anos de atividade deve fazer.
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