Há pouco menos de 10 anos, Paul Stanley declarou que não seriam mais lançados discos de inéditas do Kiss. O cara estava decepcionado com (a) a baixa receptividade de “Psycho Circus” e (b) o fato de que os fãs sempre querem ouvir as antigas da fase mascarada, (c) a desunião da banda para a composição de novo material, e o recurso a compositores externos. Para Paul, não importaria o quanto fosse boa uma música como “Psycho Circus”, pois os fãs sempre diriam, “essa é ok, mas toca ‘Love Gun’ agora”. Nessas condições, de que adiantaria investir dinheiro e esforços numa tarefa inútil?
Evidentemente que os fãs de Kiss estão acostumados com a máxima “nada é sagrado e perpétuo”. É óbvio que, sob determinadas condições, quaisquer decisões em relação ao Kiss podem ser revistas. Encarei com naturalidade, então, o surgimento das primeiras notícias de que o Kiss havia retornado ao estúdio para gravar um novo disco de inéditas.
Os fatores que viabilizaram esse retorno foram, em apertada síntese, os seguintes: (a) o lançamento de um disco solo de Paul Stanley (“Live to Win”), no qual o cara foi o responsável por todas as decisões, e se sentiu confortável, confiante e, acima de tudo, apto para o desempenho dessa tarefa; isso teve como consequência (b) a imposição de condições para um novo disco do Kiss, como a não intrusão de terceiros (todas as músicas seriam compostas pelos integrantes da banda), e a outorga de plenos poderes a Paul para produzir o disco e tomar todas as decisões a respeito (sem ter que dar importância para palpites alheios, muitas vezes motivados por questões diversas da artística).
Antes, porém, a banda resolveu selecionar um repertório com as mais conhecidas e regravou esse material com a formação atual, só que tentando reproduzir o “espírito” das gravações originais. Aparentemente, a banda poderia capitalizar com essas novas versões empregando-as em comerciais ou coisas do tipo. O resultado foi lançado inicialmente apenas no Japão, mas a banda resolveu incluí-lo no pacote do que viria a ser o CD bônus do “Sonic Boom”.
Quanto ao material efetivamente novo, Paul decidiu que as gravações se fariam como nos velhos tempos, com todos tocando ao vivo, sem manipulações digitais, tentando ser o mais orgânico possível. As contribuições foram de Paul, Gene e Tommy, que assumiu a tarefa de Bruce Kulick na composição de riffs e estruturação das músicas. Foram atribuídas faixas para todos cantarem, o que não acontecia desde “Dynasty” de 1979.
Previamente ao lançamento, foram muitas as manifestações de Gene dando conta de que o novo disco seria um clássico do tipo “Rock and Roll Over”, com 10 faixas diretas e roqueiras, sem baladas e sem viagens, e sem músicas pra encher linquiça (em bom português, as sem as “fillers”). A expectativa era a de satisfazer todos os fãs da época dos anos 1970.
Entretanto, não escapou a ninguém o fato de que, na verdade, o disco não tem tanto de “Rock and Roll Over” (a não ser a arte da capa, que é praticamente igual, visto que foi promovida pelo mesmo desenhista) quanto Gene queria fazer crer. Bem vistas as coisas, é possível identificar riffs e partes que não soariam mal em discos como “Lick It Up” e “Asylum”. Evidentemente que predomina o clima anos 1970, sobretudo se considerarmos que praticamente todas as faixas são baseadas nos mesmos acordes (observada a afinação padrão do Kiss, qual seja, meio tom abaixo): A, G, D, C, E e F.
Indiscutivelmente a melhor faixa é a de abertura, “Modern Day Delilah”. Pode-se dizer que é a única que tem um riff de guitarra, utilizando a 6.ª corda solta. É uma composição típica de Paul, com riff principal, acordes nos versos (como em “I´ve Had Enough”, “Exciter”, “The Oath”), ponte e refrão. Tommy tem a oportunidade de executar um solo de guitarra com a sua assinatura; apesar do cara se valer (com excesso até) dos licks de Ace Frehley, há um lick com uns bends de meio tom, tom e tom e meio que me parecem ser uma marca pessoal.
“Never Enough” tem um refrão com uma parada tipo “Never enough, never enough) que me lembrou muito o refrão de “Slide It In” do Whitesnake. “Stand” tem refrão grandioso, para ser cantado em arenas, e a letra é do tipo ufanista. “Danger Us” é boa (apesar da “sacada genial” do título) e “Say Yeah” não me parece tão boa para ser a segunda faixa eleita para ser executada nos shows.
Sabe-se que Gene coleciona títulos de possíveis músicas e se vale de anotações pessoais para eleger algumas que renderiam uma letra e uma música. Assim, sabemos que “Russian Roulette” é um título candidato a virar música desde 1978, pelo menos. Finalmente ganhou vida em “Sonic Boom”, com uma letra sem novidades para o padrão de Gene. O início engana, mas quando entra o riff dos versos percebemos que estamos no familiar terreno dos acordes A, D e G. Outra desse tipo é “Nobody´s Perfect” que virou “Yes I Know (Nobody´s Perfect)”, ficando claro que Gene juntou na mesma música dois refrões: o primeiro é “Nobody´s Perfect” e o outro é “Yes I Know”, que encerra a música. “Hot and Cold” tem direito a cow bell e um refrão legal que Gene sabe fazer bem (interação entre vocal principal e vocais de apoio). Tentando dar mais peso é “I´m An Animal”.
Paul compôs a faixa que foi atribuída a Eric Singer. Sabe-se que o baterista é um cantor competente, apesar da voz não muito forte, e o cara mandou bem em “All For the Glory”. O mesmo se pode dizer de Tommy Thayer, que se saiu excelente em “When Lightning Strikes” (tem uma parte que acho que deve ser difícil de cantar, no verso “I´m alive (...)”, pois o tom sobe e exige um pouco mais de voz). Porém, Tommy copia uns licks de Ace (“Parasite”) e o solo fica com cara de “já ouvi isso em outro lugar e com mais propriedade”.
Junto com o CD veio um disco bônus, conforme já antecipei, com regravações de algumas das principais músicas da banda. Poderia se dizer que corresponde a um set list. Em qualquer caso, essas versões novas não superam as originais, sobretudo nos casos de “Forever” e “I Love It Loud”.
Um 3.º disco compõe, ainda, o pacote: trata-se de um DVD contendo 6 músicas gravadas na Argentina, em 05.04.2009 (no festival Quilmes Rock).
Esse álbum não foi lançado no Brasil, e nos EUA parece que é vendido com exclusividade em uma cadeia nacional de lojas. Se lá o preço é mais barato que um CD simples, aqui foi vendido com preço de disco duplo importado. Só encontrei na Cultura (não pesquisei nas lojas do Centro).
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