Finalmente me encorajei, aluguei e vi esse filme na madrugada do sábado. Trata dum adolescente líder de uma gangue, que se diverte com “ultraviolência” gratuita, agredindo mendigos bêbados, roubando e estuprando pessoas sem nenhum motivo aparente, senão o mero ânimo de delinqüir. Numa dessas “aventuras”, Alex, o personagem principal esse, acaba preso pelo assassinato de uma mulher. No presídio, adota um comportamento exemplar, e acaba conseguindo participar de uma experiência – a técnica Ludovico, que consiste em submeter o delinqüente a um “tratamento” no qual é obrigado a assistir filmes com imagens de violência física e sexual, sem que possa fechar os olhos. Ao cabo de 15 dias, o sujeito estaria “reabilitado”, pois toda vez que pensasse em cometer algum ato de violência (ultraviolência) sofreria uma perturbação psíquica séria.
Não entendo nada de cinema. Mas após assistir alguns filmes de Kubrick (2001, Iluminado, De olhos bem fechados), pude perceber algumas características constantes na sua obra. Os cenários são sempre muito iluminados, e algumas cenas são filmadas em perspectiva cuidadosamente calculada, toda especial, que favorece a captação de ângulos inusitados (na cena do mendigo, a gangue é filmada contra a luz, obtendo um efeito de sombra aterrorizante). Sem contar os closes nos personagens, geralmente buscando expressões doentias. Reparei também o uso da trilha sonora, como componente de sugestão e muitas vezes provocativo (em 2001, nas cenas com o monolito, sempre aparecia aquele coro extremamente perturbador, obra do compositor romeno – ou húngaro? – Ligeti). No caso desse filme, há uma cena de briga de gangues, onde a trilha é uma das simfonias de Beethoven. Kubrick também revela uma predileção por personagens altamente pervertidos – Iluminado é o exemplo mais marcante, mas em LARANJA MECÂNICA, Alex (Malcolm MacDowell) mostra-se também particularmente perverso.
Mas a mais marcante característica que pude notar é a ironia do diretor/roteirista. E LARANJA MECÂNICA é repleto de ironias. A vingança dos companheiros de gangue de Alex (que se rebelam contra a prepotência do líder); o tratamento que Alex recebe dos pais ao voltar para casa, ao final do tratamento; o efeito que Alex sofre ao ouvir a Nona sinfonia de Beethoven. A disputa política que serve de tema mediato do filme – e que proporciona o final do filme - também não deixa de ser uma grande ironia. A própria instituição prisional é tratada de forma caricata, com aquele oficial exageradamente formalista.
O alvo de tanta ironia é a politicagem – aquela postura de arrecadar votos através de medidas popularescas, que atingem os eleitores mais ingênuos (que compõem a grande maioria do eleitorado). No caso de LARANJA MECÂNICA, os politiqueiros identificaram na criminalidade um fator de preocupação social, e a sua eliminação seria fundamental para a captação de votos. E optaram por uma solução simplista – fazer a criminalidade voltar contra o criminoso; não através da retribuição propiciada pela privação da liberdade, mas fazer o impulso criminógeno atuar contra o agente.
O que importa, na verdade, é o raciocínio empregado por Kubrick para desenvolver a história e o modo como ele o reproduziu no filme. Interessante perceber que, basicamente, não há personagens inúteis – todos cumprem uma função definida na trama; e isso também faz parte da ironia do filme. Os “inferiores”, “subalternos” – humilhados pelo personagem principal em geral – acabam recebendo a chance de promover a sua vingança pessoal.
É um filme de aproximadamente 130 minutos, mas apresentado de forma brilhante por um diretor que aos poucos eu vou aprendendo a compreender.
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