Depois do grande “Laranja Mecânica”, e das indicações acaloradas dos amigos John e Bruce, aluguei e vi ontem de madrugada o “Nascido para matar”. Estou empenhado mesmo em assistir a esses filmes do Kubrick, agora que finalmente começo a entendê-lo e admirar sua obra.
Todos já sabem, mas não custa referir que o filme se passa na Guerra do Vietnã e retrata uma corporação de fuzileiros, desde o treinamento nos EUA até o enfrentamento bélico no Vietnã. Algumas características de Kubrick, que eu tenho observado em outros filmes, se repetem aqui, e pra mim, demonstra sobremaneira o conhecido perfeccionismo do diretor. O filme se passa quase todo em campo aberto, e das quase duas horas de duração, uma hora e meia se passa no Vietnã. E há uma total predominância de claridade – quase não há cenas noturnas. E isso é muito positivo – filmes muito escuros são irritantes. Há o personagem com expressão perversa – soldado Pyle, o gordão - , bem na esteira de outros personagens de Kubrick (Alex de “Laranja Mecânica”, Jack Nicholson de “O Iluminado”, Tom Cruise bem fraco em “De Olhos bem Fechados”, e até o computador Hal de 2001, se pudesse, mostraria uma expressão perversa, especialmente na cena que ele lê os lábios dos astronautas Dave Bowman e o outro aquele).
A ironia de Kubrick é muito refinada neste filme. Sutilmente ele aproveita algumas falas de personagens – principalmente o Joker – para lançar críticas ao militarismo americano e à própria guerra (absolutamente sem sentido). Os soldados aparecem sendo entrevistados e se mostram confusos, ora falando coisa sem sentido, ora declarando amor pelos EUA e ódio pelo Vietnã. Alguns falam que lutam pela liberdade do povo vietnamita; mas não sabem por que devem lutar por essa liberdade e nem os motivos que levaram os EUA a assumir essa luta. Reproduzem o discurso falacioso dos políticos americanos, sem se dar conta da sua impropriedade. Há um soldado que cita Lyndon Johnson de forma bastante simbólica. Sem contar a dualidade do personagem principal – Joker – que escreveu “Born to kill” no capacete, mas carrega no uniforme um símbolo da paz.
O diretor é bastante insistente na parte do treinamento, ao mostrar o comandante da tropa sempre numa postura de superioridade, tratando jocosamente os soldados (vale lembrar também as cenas que mostram a tropa correndo e cantando hinos de incentivo ditados pelo comandante – começam com frases de amor à pátria, mas ao final descambam para a pornografia).
O outro filme de guerra que vi foi “O Resgate do Soldado Ryan” do Spielberg – e a diferença de estilo entre os diretores é bem marcante. Spielberg apela muito mais para o emocional, buscando cativar o espectador, fazendo-o identificar-se com os personagens e torcer por eles. Kubrick não tem essa preocupação – seu estilo nesse sentido é muito mais seco. Os personagens são mostrados com ênfase nos seus desvirtuamentos e perversões, buscando desenvolver essa dualidade junguiana do homem, como referiu o Joker (ainda vou ler algo sobre isso). Parece-me que o “bom-mocismo” dos personagens é desprezado em favor de mostrá-los como humanos genuínos, claro, com alguma predileção pelo bizarro da personalidade.
O que fica é mais um grande filme de Kubrick, que sedimenta essas características que lhe são únicas. Abstenho-me de tecer qualquer considerações a respeito de técnicas cinematográficas e tudo mais, porque ainda aqui meu conhecimento é nulo. Mas acho que percebo o suficiente para concluir que hoje em dia não se encontram mais filmes com esse tratamento de obra-de-arte dispensada por Kubrick (estou falando de Holywood, pois o cinema europeu ainda não me apeteceu).
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