Drama. Ah, esse sim é um disco obscuro. Execrado por público e crítica desde o seu lançamento em 1980, é um dos mais underrated álbuns de que eu tenho notícia.
Aquela transição dos 70´s para os 80´s foi extremamente complicada para todas as bandas. Vivia-se ainda a disco music e a época de ouro do punk rock. Não havia mais espaço para bandas progressivas como Yes (Emerson, Lake & Palmer havia sucumbido anos antes, e o Genesis mantinha-se na ativa com metade dos integrantes originais e a custa de adequar o som ao que o mercado queria vender).
No final de 1979 o Yes iria reunir-se para gravar o álbum sucessor de Tormato. Entretanto, Rick Wakeman partira definitivamente para sua carreira solo diante das insuperáveis diferenças com os outros músicos. Mas dessa vez, Jon Anderson também não estava disposto a tocar com Yes - passou a investir no seu projeto com Vangelis (que fora o tecladista preterido pela banda em favor de Patrick Moraz em 1974).
Restou o trio Squire-Howe-White. Seguiram ensaiando e compondo, até que encontraram Trevor Horn e Geoff Downes (vocalista e tecladista, respectivamente, do Buggles). Resolveram então unir os esforços sob o nome de Yes, e gravar um disco registrando as composições dessa formação. O resultado é o álbum extremamente intenso (devido ao cenário musical - na Inglaterra predominava o punk - e a própria identidade da banda, que estava ameaçada), diferente de tudo o que já havia sido gravado antes.
Em Drama, encontramos os vocais bastante seguros de Horn escoltados por Squire na maior parte do tempo. O registro de Horn ficou um pouco mais alto na mixagem, mas sua voz e a de Squire confundem-se perfeitamente, de tão bem feita que foi a sobreposição dos vocais. Horn não é Anderson, e não tenta ser; sua voz é muito boa e encaixa-se perfeitamente em todas as músicas. O baixo de Chris Squire, por sua vez, é notoriamente um destaque a parte, mas desta feita o timbre eleito encaixa-se graciosamente em todo o disco. Steve Howe também aproveitou para melhorar seu timbre, graças ao uso de uma Gibson Les Paul Custom.
O que se sobressai, na verdade, é o padrão musical estabelecido pela banda, totalmente diferente do que vinha fazendo até então. Entendo que Geoff Downes teve papel muito importante - em nenhum momento ele ‘climatiza’, sempre está tocando alguma melodia, mais ou menos perceptível aos ouvidos. A banda inteira está TOCANDO - não há espaços para ‘viagens’ sonoras nem “encheção de lingüiça”. O virtuosismo dos músicos nunca foi apresentado de forma tão veemente. E, para quem gosta de ouvir músicos TOCANDO (como eu), Drama é um prato cheio.
O álbum inicia com Machine Messiah, uma de minhas músicas favoritas de todos os tempos. Um riff de guitarra (dobrado pelo teclado e baixo) aparece em fade-in, num começo de disco extremamente pesado e fantasmagórico (e isso os fãs de Yes não estavam acostumados, pois só ouviam as descrições agro-pastoris de Anderson). Nos 10 minutos dessa música, há várias partes que se sucedem e se repetem de forma muito inteligente. Há também riffs malabaristas tocados com precisão e com o cuidado para não tornar as partes instrumentais enfadonhas. O meu destaque (e isso vale para TODAS as outras faixas) é Downes, que se utiliza de MUITOS teclados durante a execução da música (até piano, que não era utilizado com muita freqüência por Wakeman e Moraz). Enfim, uma baita música, sem precedentes no repertório da banda.
White Car é uma vinheta onde só se destacam Horn e Downes (Howe aparece discretamente com violão). Com pouco mais de 1 minuto, Downes cria uma ‘fanfarra’ acompanhada por Horn nos vocais, gerando um efeito muito bonito e preparando o caminho para a terceira música.
Does it really happen começa com um riff quebrado de Squire. E a música segue quebrada até o final - as batidas nunca ‘caem’ ou ‘quebram’ onde nosso ouvido espera. E é notável perceber como eles fazem isso, com total naturalidade. Com a entrada dos vocais, a música tende a assumir um clima mais “alegre” (na falta de outra expressão melhor). Há ainda a utilização de um recurso interessante: a música vai baixando o volume (fade-out), dando todo o jeito de que está acabando - mas, em seguida, o volume volta ao normal (fade-in), para dar espaço a um inesperado solo de Squire. É bem curto, bem simples, mas extremamente eficiente e demonstra a humildade do músico, que sabe que pode tocar o que bem entende, mas utiliza toda a técnica a serviço da música. Que lição!
Into the lens contém uma das introduções mais assombrosas do rock progressivo: há um riff (pode-se chamar disso), onde Alan White acompanha Squire com o bumbo e Downes na caixa. Um malabarismo muito bem composto e executado (o vídeo Greatest Video Hits contém uma versão tocada ao vivo e impressiona pela precisão). Note que durante o refrão é Downes quem canta “I am a camera” e “oh-oh” no vocoder. Há alguns riffs pesados no meio. E Horn demonstra bastante emoção no vocal. Posteriormente, o Buggles (de Horn e Downes) regravou essa música, em versão bem mais simplificada, com o nome de I am a camera.
Run through the light, eu admito, é a música mais fraca do disco. Não tem a força nem o apelo das outras. Nesta faixa assiste-se a uma inusitada troca de instrumentos: Squire assume o piano (que aparece discretamente) e Horn toca fretless bass.
Tempus Fugit retoma a intensidade e finaliza o disco de forma muito enérgica. Segundo Squire, é a música punk do Yes. Destaque para o próprio Squire, com uma linha de baixo bastante complexa - e ele canta junto ainda. Howe se supera dessa vez, conduzindo a banda em quase todas as partes da música (não é muito comum no Yes uma música com a guitarra sobrepujando os demais instrumentos).
Enfim: Drama é um disco memorável, no meu sentir - é um disco sem precedentes no repertório da banda. E depois dele, a banda não compôs nada a altura. Mas na época, as coisas funcionaram muito mal: a Drama tour só foi acompanhada pelos mais fanáticos, que não aceitaram a ausência de Anderson. Horn teve muitos problemas para cantar as músicas antigas da banda, além do seu desgosto por fazer shows em seqüência. Depois disso, a banda caiu no ostracismo. Howe e Downes reuniram-se com outros músicos para formar o Asia (que gozou de muito sucesso nos anos 80), Anderson retornou ao seu projeto com Vangelis e retomou sua carreira solo. Só White e Squire continuaram tocando (chegaram até a ensaiar e compor com Robert Plant e Jimmy Page - o projeto só não se materializou por questões de empresários; Squire também acrescenta que Plant não curtiu muito a experiência, pois as músicas eram muito estranhas em virtude dos tempos quebrados). A banda só voltou a se reerguer (com muito sucesso) anos mais tarde com Trevor Rabin na guitarra e Jon Anderson de volta aos vocais (e também o repatriado Tony Kaye), no álbum hit 90125.
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