sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Melhores discos de todos os tempos – Deep Purple “Made in Japan” (1972)

É possível que se trate de exagero, mas não consigo lembrar de outro cd ao vivo que seja melhor do que o “Made in Japan” do Deep Purple. Trata-se do registro da turnê da banda, no oriente, durante o lançamento do igualmente clássico “Machine Head”, em 1972 (foram colocadas no disco as melhores - ou com menos erros - performances de três shows em Osaka e Tóquio). E foi o primeiro cd que ouvi dos caras, em 1993, quando aluguei o disco numa locadora que ficava na Mal. Floriano, e é exatamente no ponto onde atualmente encontra-se sediada a “Boca do Disco”. E a aquisição do mesmo se impôs, alguns anos mais tarde (acho que em 1997, provavelmente no térreo da Gal. Chaves, por um preço barbada).

O registro é memorável por uma série de importantes razões: (a) gravação ao vivo da formação clássica da banda (Mark II – Blackmore/Gillan/Glover/Lord/Paice) no seu auge; (b) repertório matador, com a execução definitiva para “Smoke on the Water”; (c) performances arrebatadoras de todos os integrantes, notadamente Ian Gillan (é só ouvir “Child in Time” e “Strange Kind of Woman”); (d) espaços para improvisações inquietantes (demorei anos para entender que essas jams são, na verdade, ensaiadas em alguma medida, sem contar que Blackmore “rege” esses momentos com um aceno, gesto ou até o olhar – basta ver o vídeo do show no “California Jam”).

Durante a faculdade tinha um colega que reclamava do som de guitarra “magro” nos discos de estúdio do Deep Purple, dentre os quais o “Machine Head”. Se isso pode ser verdade, pelo menos os discos ao vivo compensam totalmente essa eventual deficiência: o som de guitarra é muito presente, e já é marcante na faixa de entrada, “Highway Star”. Logo após o C-Bb-G que precede o primeiro verso, nota-se a levada rápida, porém fluida conduzida por Ian Paice, que merece o crédito por fazer essa faixa ser uma verdadeira paulada na orelha. O solo de Blackmore não supera o da versão de estúdio, diferentemente do solo de Jon Lord, que é muito mais legal ao vivo.

“Child in Time” não é o tipo de música que dá para ouvir o tempo todo, pois requer certa disposição para ouvir uma faixa que começa calma, com acordes repetitivos (G-G-A e depois F-F-G), que acabam ganhando força com o acréscimo de distorção e volume, seguindo-se uma jam com solos bombáticos, cujo clímax leva para aquele início calmo. “Made in Japan” é um disco de performances definitivas para algumas músicas, e esse é o caso de “Child in Time”, sobretudo pelo extraordinário alcance vocal de Ian Gillan na época.

Uma das minhas favoritas é “Strange Kind of Woman”. O riff legal é bem acompanhado pela famosa levada fluida de Ian Paice. Por si só, a música vale o disco, mas no meio da execução há espaço para um memorável duelo entre Gillan e Blackmore. Acho que foi nas férias de inverno de 1995 ou 1996 que me dei conta do que estava acontecendo nesse cd em termos de música. Jamais poderia imaginar que se poderia improvisar desse jeito num palco (hoje sei que essas improvisações são até certo ponto ensaiadas): a música segue até determinado momento em que a bateria marca o ritmo e faz a base para dois músicos excepcionais demonstrarem virtuosismo nos seus instrumentos. Na verdade, o destaque é para o alcance vocal de Gillan, já suficiemente apreciado em "Child in Time", mas muito mais legal nessa "Strange Kind of Woman". Blackmore faz uns licks na parte mais aguda da guitarra, e são reproduzidos nota-por-nota por Gillan. É um negócio espantoso, e me impressionou por muitos anos. Até então achava que o ideal era que se reproduzisse em um show tanto quanto possível fielmente a versão de estúdio. Então "Made in Japan" serviu como influência para abrir a cabeça a respeto do que se poderia fazer ao vivo em termos musicais.

Só posso entender a inclusão de “The Mule” em desfavor de “Black Night” ou outra da mesma apresentação se deve ao fato de que é durante essa música que Ian Paice faz o seu solo de bateria. Hoje em dia, solos de bateria são desprezíveis, mas parece-me que à época se tratava de um momento importante do show (afinal, não deve ser por acaso que, por exemplo, “Alive!” tem solo de Peter Criss, “The Song Remains de Same” tem solo de John Bonham).

A versão do "Made in Japan" para "Smoke on the Water" é que imortalizou essa faixa como um dos hinos do rock. É absolutamente mandatório saber tocar esse riff, que todo mundo já ouviu.

Uma música divertida de ouvir, mas que jamais consegui tirar o riff, é "Lazy". É precedida de um solo de Jon Lord, e parece uma autêntica jam do início ao fim. E é uma baita duma música, um rock com levada "rhythm and blues". E a letra é bem humorada, como são algumas letras da banda (como a própria "Strange Kind of Woman" e "Anyone´s Daughter", sem esquecer das mais jocosas como "Mary Long").

O disco encerra com a última faixa do "Machine Head", numa versão longa com jams e solos intermináveis: "Space Truckin" não é das minhas favoritas, mas parece que os caras se divertiam um monte tocando essa música que, bem vistas as coisas, tem estrutura bem simples.

Se não for o melhor, é um excepcional exemplo de como devem ser feitos os discos ao vivo.

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