Sobre “Lick It Up” já dediquei uma resenha nos primeiros tempos deste blog, e não tenho maiores reparos a fazer, a não ser lembrar que ouvi pela primeira vez o disco quando o Giuliano trouxe uma fita k7 com a gravação do vinil que ele havia obtido por empréstimo com uma vizinha, tudo isso no longínquo verão de 1996. O CD comprei na The Wall que funcionava no Iguatemi, em 1997, quando resolvi adquirir todos os CDs do Kiss. Além disso, localizei vídeos no youtube com aulas de Vinnie Vincent nas quais demonstra uma técnica peculiar e que me pareceu inacreditável: o guitarrista utiliza-se de uma espécie de “chicken picking”, que consiste em tocar com a palheta e com os demais dedos da mão direita (ao invés de só com a palheta, como ocorre via de regra com guitarristas de rock, ou só com os dedos – “fingerstyle” – como os estudiosos do violão clássico; a técnica do “chicken picking” é mais comum entre músicos de country dos EUA, para tocar em banjo, e é uma das mais difíceis de aplicar na guitarra). Só que Vinnie toca licks rapidíssimos com as palhetas e com os dedos utilizando-se dessa técnica, e isso explica o timbre dos solos do cara: as notas não soam limpas e definidas, e sim uma debulhação em alta velocidade, mas respeitei muito o cara por empregar uma técnica tão complicada. E confesso que assisti várias vezes aos vídeos pois não acreditava no que estava vendo (não por acaso Vinnie se julgava maior que os outros guitarristas, e essa megalomania é que deve ter prejudicado sua carreira – quando formou o Vinnie Vincent Invasion, sua banda de apoio abandonou-o para ter mais sucesso sob o nome de Slaughter).
"LICK IT UP é de 1983 e inaugurou uma nova fase na história do KISS. No seu lançamento a banda promoveu a retirada das características máscaras (transmitida pela MTV). Além disso, 2 vídeos promocionais foram produzidos, e bastante veiculados na emissora americana. Toda essa estratégia restou bem sucedida: o álbum vendeu bem, e a banda começou a retomar o seu espaço dentre as grandes bandas da época.
Afora isso, musicalmente o disco é muito bom. Pode-se dizer que é uma continuação do álbum anterior (CREATURES OF THE NIGHT). Segue a tendência de músicas pesadas, onde só há espaço para os instrumentos: guitarras, baixo e bateria. Não há nenhuma extravagância (v.g., uso de orquestras), e as composições são simples e eficientes – não há grandes invenções, mas as músicas funcionam e dentro da simplicidade foram muito bem construídas. Entendo que Vinnie Vincent teve papel fundamental para sedimentar esse som mais orgânico (especialmente pelo fato de ter co-composto quase todas as faixas). Pode-se dizer qualquer coisa sobre Vinnie, mas é inegável que se trata de um grande músico. A produção, mais uma vez a cargo de Michael James Jackson, leva ao extremo essa simplicidade – parece mais uma demo ajeitada. Ainda aqui, as guitarras foram prejudicadas com a mixagem. Mas tudo isso não tira a grande qualidade de LICK IT UP: é um grande disco de rock (hard rock), com boas músicas.
EXCITER é uma ótima música de Paul Stanley, construída com várias partes: há uma introdução, o riff principal, o verso, pre-chorus (ou bridge) e refrão. Há um interlúdio antes do solo. O guitarrista que gravou o solo não se sabe com certeza – vi em alguns lugares por aí que foi Rick Derringer; mas não vejo como não ter sido o próprio Vinnie. Muito boa música; é uma de minhas preferidas.
NOT FOR THE INNOCENT é mais contida, no estilo SAINT AND SINNER do álbum antecessor. Música de Gene Simmons, com boa letra. Aqui começa a aparecer com veemência o estilo shred de Vinnie Vincent no solo, com o uso abusivo muitas notas tocadas rapidamente.
A faixa-título é o grande hit do disco, e ajudou a promovê-lo bastante. Não basta toda a campanha de marketing para ressuscitar a banda – o disco tem que ter pelo menos um sucesso comercial. Essa música inicia uma série de hits patrocinada por Paul Stanley (até aquela época, os 2 grandes hits da banda – ROCK AND ROLL ALL NITE e I LOVE IT LOUD – eram composições de Gene). E o empenho de Paul foi recompensado – a música é boa, tem um marcante riff principal que é repetido no refrão. Seria esperado um solo de Vinnie, mas tudo indica que Paul não achou conveniente. Há também um interlúdio, ao que parece, contribuição de Adam Mitchell (não creditada).
YOUNG AND WASTED é uma das melhores músicas de Gene. Durante algum tempo, Eric Carr encarregou-se dos vocais nas apresentações ao vivo. O solo de Vinnie é bem feito e pertinente – ao final, funde-se com o pre-chorus cantado por Gene, criando um efeito que não é nada inovador, mas funciona muito bem. No final, o refrão é repetido várias vezes, mas a banda faz umas paradas bem interessantes quebrando a monotonia que esse recurso (repetir várias vezes o refrão no final da música) geralmente proporciona.
GIMME MORE é uma música acelerada, ao estilo do que Paul costuma fazer em boa parte dos discos da banda (ver, entre outras, DANGER, I STOLE YOUR LOVE, UNDER THE GUN). O vocal já mostra indícios do que seria uma constante nas músicas de Paul – vocais bem agudos (high-pitch).
ALL HELL´S BREAKIN´ LOOSE traz uma colaboração escassa de Eric Carr (o riff principal). É também uma das únicas músicas em que todos os 4 integrantes são creditados compositores. Paul, Gene e Vinnie transfiguraram bastante a idéia inicial de Eric, sendo que o primeiro canta os versos em forma de rap. Mas a música é boa (teve um vídeo promocional hilário), um momento mais leve do disco.
A MILLION TO ONE é uma brillhante composição de Paul & Vinnie. Aqui Eric reina absoluto na bateria – realmente, um grande destaque. A música é toda simples – o riff principal (que funciona também como refrão) chega a ser banal – mas a interpretação de Paul no vocal, e de todos os demais, engrandece a faixa. Vinnie, particularmente, consegue registrar o melhor solo do disco.
As 3 últimas músicas (FITS LIKE A GLOVE, DANCE ALL OVER YOUR FACE e AND ON THE 8TH DAY) são de Gene – a última em colaboração com Vinnie. FITS... segue a linha de YOUNG AND WASTED – tem um bom riff, e no final tem aquelas paradas interessantes. Durante boa parte dos anos 80 fez parte do repertório ao vivo da banda. DANCE é a música mais fraca do disco – destaque para a letra de Gene. A última faixa é imbuida de um tom ufanista, que a banda volta e meia repete (v.g., I, CRAZY CRAZY NIGHTS, PSYCHO CIRCUS, WE ARE ONE), e isso é resumido pelo refrão “And on the 8th day/God created rock´n´roll). A música começa muito bem, mas perde-se depois com a excessiva repetição dessa mensagem ufanista.
Concluindo: LICK IT UP é um grande disco, como o fora CREATURES OF THE NIGHT, mas que dessa vez contou com uma boa estratégia quando do seu lançamento. Considero esses dois discos como gêmeos até – a única diferença entre ambos é que um tem máscaras na capa e o outro não - , mas CREATURES sofreu com a repugnância de público e crítica na época do lançamento. Questões musicais aparte, é também um marco – a partir dele a banda iria se identificar mais e mais com o hard rock praticado pelas bandas da época, num definhamento que viria a tornar o KISS apenas mais uma entre as hair metal band (como Motley Crue e Poison). Em LICK IT UP encontram-se também as últimas músicas realmente decentes compostas por Gene (que só viria a compor boas músicas novamente 10 anos mais tarde)".
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