Se tem um disco que é bom de ouvir no verão é “Hot in the Shade”. Por alguma razão, o Kiss decidiu abandonar o visual multicolorido após a turnê de “Crazy Nights”, e voltou ao couro preto para os vídeos das duas inéditas que apareceram na coletânea “Smashes, Trashes & Hits” de 1988. Entretanto, o som dessas músicas ainda era reminiscente do hair metal orientado para o rádio. Em 1989, no entanto, os caras resolveram fazer um disco mais coeso, e mandaram uma quantidade enorme de novas composições nas quais se percebe uma polida nos excessos guitarrísticos e valorização de melodias.
Entendo que “Hot in the Shade” tem três músicas brilhantes, que não por acaso foram (a) lançadas como singles nos EUA e (b) compostas por Paul Stanley: “Forever”, “Rise to It” e “Hide Your Heart”.
“Forever” é a melhor balada do Kiss, e é muito conhecida por aqui em razão de propagandas de cigarro e por ter feito parte da trilha sonora de alguma novela da época. Trata-se de uma magnífica composição de Paul Stanley, que se beneficiou de contribuições inestimáveis de Bruce Kulick e de Eric Carr. O guitarrista brindou-nos com um espetacular solo de violão, e o baterista conduziu a música de forma brilhante, colocando sua assinatura ao fazer rolos nos tons durante os refrões. A versão do “Alive III”, com Eric Singer na bateria, e vocais magníficos de Stanley, é a definitiva.
“Rise to It” é a faixa que abre o disco; cuida-se de um rock muito bom, com riff caprichado que acompanha os versos. O refrão é dos melhores da banda. O vídeo é muito legal por mostrar os caras tocando e tirando sarro uns com os outros; além disso, no início e no fim aparecem Gene e Paul colocando as máscaras e vestindo as roupas como se estivessem em 1975, alimentando os boatos sobre uma reunião da formação original, ou uma volta do visual aposentado a partir de “Lick It Up”.
“Hide Your Heart” é a tentativa mais bem sucedida de Paul Stanley de se tornar um compositor para outros artistas. A música é excelente, seguindo a típica receita de sucesso de Paul, tendo sido gravada por Ace Frehley (não sei até hoje porque o cara gravou essa) e Bonnie Tyler, dentre outros. O refrão é perfeito, inclusive a parte “ah ah aaaaah, hey hey heeeeey, tchu tchu tchu tchuuu tchu-ru tchu ru-ru”. É o tipo de música que tem a cara dos anos 1980, com estrutura perfeita e refrão marcante. É feita para tocar na rádio, mas não tem como não gostar.
Paul compôs, ainda, “Read My Body”, “Silver Spoon”, “King of Hearts”, “You Love Me to Hate You”.
Gene Simmons voltou a colaborar efetivamente, trazendo para o disco “Betrayed”, “Prisoner of Love” (coautoria com Kulick), “Love´s a Slap in the Face” (acredito que nessa Eric Carr não tenha tocado, pois o som parece um loop infindável da mesma batida – não há nenhum ataque nos pratos), “Cadillac Dreams”, “The Street Giveth and the Street Taketh Away” (primeira aparição de Tommy Thayer num disco do Kiss), “Somewhere Between Heaven and Hell” e “Boomerang” (coautoria com Kulick).
[Adendo em 10.03.2010 - terminei de ler hoje uma longa entrevista do Eric Singer para o Kiss FAQ, na qual o baterista revelou minúcias saborosas para os fãs do Kiss. Uma delas diz respeito ao "Hot in the Shade". Singer revelou que em 1989, mais ou menos no período em que escursionou com Paul Stanley na sua turnê solo, fez demos para várias músicas que vieram a fazer parte do "Hot in the Shade", dentre as quais "King of Heart". Segundo o baterista, Paul, Gene e Bruce moravam em Los Angeles, e só Eric Carr morava em New York, então foi natural chamar Singer para as demos. Da mesma forma ocorreu com Kevin Valentine, de quem eu nunca havia encontrado maiores informações, e que vem a ser um amigão do Singer. Então ambos fizeram demos para o álbum, inclusive "Forever", e segundo Singer, Eric Carr refez e regravou todas as linhas de bateria, de maneira que não há nada de Singer ou de Kevin no álbum. Singer disse ainda que muito do disco foi gravado com bateria eletrônica, tipo Roland V-Drums, o que provavelmente explica o loop de bateria em "Love´s a Slap in the Face").
Eric Carr sempre foi competente nos vocais, mas sua atuação se resumia aos backing vocals. Além disso, o cara costumava compor bastante e submetia suas músicas à aprovação de Paul e Gene. Apenas em “Hot in the Shade” a dupla concedeu a oportunidade de Carr inserir uma música no disco e cantá-la: "Little Caesar". Simmons mexeu na letra, e a faixa foi registrada no resto como havia sido visualizada por Carr.
A turnê de “Hot in the Shade” serviu para preparar o caminho para os bons anos que se seguiram, que culminaram com a excelente receptividade de “Revenge”. A banda retornava às suas origens e diversas músicas antigas foram revisitadas e voltaram a fazer parte do set list. O bom momento só não foi pleno em razão da perda de Eric Carr, no início dos anos 1990. Adquiri esse CD no final de 1994, em pleno verão escolar, na Mad House.
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